quarta-feira, 6 de março de 2013

E bateu a saudade...volte para mim


São Paulo, 23 de Janeiro

Querido Caiçara,

Que saudade de você, simplesmente fiquei e estou com tantas saudades suas...Cheguei em casa hoje depois de um dia corrido, com direito a reunião no Nar Anon a noite e, sem perceber me deu uma saudade tão grande de você! Simplesmente, cozinhar uma jantinha gostosa, sentar no sofá, assistir qualquer besteira na TV e dormir do seu lado...Hoje, eu quase não cozinho mais, nem sento no sofá muito menos assisto TV. E durmo do lado de uma almofada chamada Mr. Sebastian (coisas de I.). Lembra quando nos conhecemos e você ficava indignado que eu não sabia nem o nome da novela das 8? Pois é, voltei à aquele estágio...vivo na frente deste computador, acho que preciso dar um nome a ele, meu companheiro Mac.

Momentos...lembrei do tempo que moravamos juntos, dormiamos juntos, brigavamos juntos, nos amavamos juntos! As vezes parece que faz tanto tempo. O que mais me doi é saber que ainda algo latente esta lá, perdido, esquecido pedindo para ser resgatado e eu, só não sei como faze-lo.
Sinto saudades, muitas saudades...do tempo que vivemos juntos e não demos valor, as pequenas coisas que não temos mais e foram ficando para trás no meio deste turbilhão!

Hoje, queria esquecer de tudo e ter você ao meu lado, reclamando porque eu pedi uma massagem nos meus pés, trazendo a toalha que eu esqueci enquanto estava no chuveiro, dizendo que meu arroz esta bom (mentiroso, eu nunca soube fazer arroz mesmo), pedindo para que eu prepara-se o Boeuf Bourguignon (uma das poucas coisas que eu realmente sei cozinha) para o jantar...momentos tão preciosos, tão distantes.

Choro mais uma vez, mas não são lágrimas de raiva ou desepero como já chorei tantas outras vezes, mas lágrimas sofridas, pela perda, pela ausência da pessoa que amo e esta distante. Pela pessoa que me culpa (não sei exatamente pelo que), me agride, me afasta...choro pela pessoa que por tantas noites me abraçou enquanto eu dormia, tantos dias escutou meu discurso sem fim e ficou do meu lado, choro pela pessoa que sorriu quando soube que teríamos um filho, choro pela pessoa que esteve do meu lado quando o I. inúmeras vezes acordou de madrugada, choro pela pessoa que amo..e hoje, é um estrangeiro numa terra distante. Espero que você volte para mim!

Beijos,
Dona Barriga

P.S: Na nossa pequena e acolhedora sala, hoje tivemos uma nova companheira vindo pela primeira vez. Ela chorava tanto...também tem um bebê de quase 2 aninhos, marido adcito na ativa, violento, abusivo. Sugerimos (e olha que normalmente o grupo não opina) que ela procurasse a delegacia da mulher. Fiquei muito abalada pela sua estória, quis muito abraça-la mas a única coisa que consegui fazer foi incentivá-la a continuar voltando as reuniões, partilhar, apreender os passos. Até então eu era a pessoa mais nova da sala (os outros membros têm mais de 5 anos de Nar Anon, minha madrinha já passou de uma decada). Fiquei pensando se ela realmente voltará ou não à sala. Fiquei pensando em quantas pessoas eu encontro durante o dia, andando na rua, fazendo compras no supermercado, levando seus filhos na escola...anônimos, rostos numa multidão que sentem a dor de ter um dependente químico em suas vida, e encontram apoio nas salas (pois fora delas se você abrir o jogo, e falar que seu marido é dependente químico elas certamente vão perguntar o porque ele ainda não é ex-marido). A lógica é essa, o preconceito é grande, e hoje somos milhares de esposas, maridos, filhos, mães e pais anônimos vivendo essa epidemia.

Também sou preconceituosa, preciso desvincular a pessoa que você é do adicto que você é. Faz sentindo? Antes de você ser um dependente químico, você é o Caiçara, uma pessoa com um coração enorme, inteligente, carinhoso, amoroso, companheiro, divertido, tranquilo (até demais), teimoso, baixinho, introspectivo (as vezes), explosivo...Enfim, uma pessoa com qualidades e defeitos, mas essa pessoa foi se perdendo dela, sua personalidade foi soterrada pela compulsividade das drogas...e essa pessoa foi esquecendo quem realmente ela é, vestindo uma armadura que não lhe cabe mais. Este é o momento de tirar a armadura, re-encontrar essa pessoa e fazer as pazes com ele.

Você não é aquela pessoa que deixou a cadeirinha do meu filho numa biqueira (estepe, rádio, carro e sei lá eu mais o que), entrou de madrugada na minha casa pois sabia aonde ficava a chave, roubou dinheiro na minha carteira enquanto eu dormia (depois de horas acordada esperando você), trocou minha bicicleta novinha por meia dúzia de pedras de crack, me deixou sozinha no final da minha gravidez, sumiu dias quando o I. apenas tinha meses de vida...Essa pessoa que fez tudo isso, eu não sei quem é, não quero saber quem é, e honestamente, espero que não seja quem você é. Porque esta pessoa eu desprezo, odeio e se ela morrer fará um bem enorme a humanidade (começando por mim).
Enterre essa pessoa. Porque ele vai acabar em baixo da terra, de uma forma ou de outra. Não há futuro para ele...só dor, sofrimento, loucura e morte (ou cadeia).

Quando peço para você voltar para mim é exatamente isso que estou pedindo.


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