São Paulo, 23 de Janeiro
Querido Caiçara,
Que saudade de você,
simplesmente fiquei e estou com tantas saudades suas...Cheguei em
casa hoje depois de um dia corrido, com direito a reunião no Nar
Anon a noite e, sem perceber me deu uma saudade tão grande de você!
Simplesmente, cozinhar uma jantinha gostosa, sentar no sofá,
assistir qualquer besteira na TV e dormir do seu lado...Hoje, eu
quase não cozinho mais, nem sento no sofá muito menos assisto TV. E
durmo do lado de uma almofada chamada Mr. Sebastian (coisas de I.).
Lembra quando nos conhecemos e você ficava indignado que eu não
sabia nem o nome da novela das 8? Pois é, voltei à aquele
estágio...vivo na frente deste computador, acho que preciso dar um
nome a ele, meu companheiro Mac.
Momentos...lembrei do
tempo que moravamos juntos, dormiamos juntos, brigavamos juntos, nos
amavamos juntos! As vezes parece que faz tanto tempo. O que mais me
doi é saber que ainda algo latente esta lá, perdido, esquecido
pedindo para ser resgatado e eu, só não sei como faze-lo.
Sinto saudades, muitas
saudades...do tempo que vivemos juntos e não demos valor, as
pequenas coisas que não temos mais e foram ficando para trás no
meio deste turbilhão!
Hoje, queria esquecer de
tudo e ter você ao meu lado, reclamando porque eu pedi uma massagem
nos meus pés, trazendo a toalha que eu esqueci enquanto estava no
chuveiro, dizendo que meu arroz esta bom (mentiroso, eu nunca soube
fazer arroz mesmo), pedindo para que eu prepara-se o Boeuf
Bourguignon (uma das poucas coisas que eu realmente sei cozinha) para
o jantar...momentos tão preciosos, tão distantes.
Choro mais uma vez, mas
não são lágrimas de raiva ou desepero como já chorei tantas
outras vezes, mas lágrimas sofridas, pela perda, pela ausência da
pessoa que amo e esta distante. Pela pessoa que me culpa (não sei
exatamente pelo que), me agride, me afasta...choro pela pessoa que
por tantas noites me abraçou enquanto eu dormia, tantos dias escutou
meu discurso sem fim e ficou do meu lado, choro pela pessoa que
sorriu quando soube que teríamos um filho, choro pela pessoa que
esteve do meu lado quando o I. inúmeras vezes acordou de
madrugada, choro pela pessoa que amo..e hoje, é um estrangeiro numa
terra distante. Espero que você volte para mim!
Beijos,
Dona Barriga
P.S: Na nossa pequena e
acolhedora sala, hoje tivemos uma nova companheira vindo pela
primeira vez. Ela chorava tanto...também tem um bebê de quase 2
aninhos, marido adcito na ativa, violento, abusivo. Sugerimos (e olha
que normalmente o grupo não opina) que ela procurasse a delegacia da
mulher. Fiquei muito abalada pela sua estória, quis muito abraça-la
mas a única coisa que consegui fazer foi incentivá-la a continuar
voltando as reuniões, partilhar, apreender os passos. Até então eu
era a pessoa mais nova da sala (os outros membros têm mais de 5 anos
de Nar Anon, minha madrinha já passou de uma decada). Fiquei
pensando se ela realmente voltará ou não à sala. Fiquei pensando
em quantas pessoas eu encontro durante o dia, andando na rua, fazendo
compras no supermercado, levando seus filhos na escola...anônimos,
rostos numa multidão que sentem a dor de ter um dependente químico
em suas vida, e encontram apoio nas salas (pois fora delas se você
abrir o jogo, e falar que seu marido é dependente químico elas
certamente vão perguntar o porque ele ainda não é ex-marido). A
lógica é essa, o preconceito é grande, e hoje somos milhares de
esposas, maridos, filhos, mães e pais anônimos vivendo essa
epidemia.
Também sou
preconceituosa, preciso desvincular a pessoa que você é do adicto
que você é. Faz sentindo? Antes de você ser um dependente químico,
você é o Caiçara, uma pessoa com um coração enorme, inteligente,
carinhoso, amoroso, companheiro, divertido, tranquilo (até demais),
teimoso, baixinho, introspectivo (as vezes), explosivo...Enfim, uma
pessoa com qualidades e defeitos, mas essa pessoa foi se perdendo
dela, sua personalidade foi soterrada pela compulsividade das
drogas...e essa pessoa foi esquecendo quem realmente ela é, vestindo
uma armadura que não lhe cabe mais. Este é o momento de tirar a
armadura, re-encontrar essa pessoa e fazer as pazes com ele.
Você não é aquela
pessoa que deixou a cadeirinha do meu filho numa biqueira (estepe,
rádio, carro e sei lá eu mais o que), entrou de madrugada na minha
casa pois sabia aonde ficava a chave, roubou dinheiro na minha
carteira enquanto eu dormia (depois de horas acordada esperando
você), trocou minha bicicleta novinha por meia dúzia de pedras de
crack, me deixou sozinha no final da minha gravidez, sumiu dias
quando o I. apenas tinha meses de vida...Essa pessoa que fez tudo
isso, eu não sei quem é, não quero saber quem é, e honestamente,
espero que não seja quem você é. Porque esta pessoa eu desprezo,
odeio e se ela morrer fará um bem enorme a humanidade (começando
por mim).
Enterre essa pessoa. Porque
ele vai acabar em baixo da terra, de uma forma ou de outra. Não há
futuro para ele...só dor, sofrimento, loucura e morte (ou cadeia).
Quando peço para você
voltar para mim é exatamente isso que estou pedindo.
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