domingo, 31 de março de 2013

Estendendo a mão


O que fazer quando você estende a mão mas o outro é orgulhoso demais para aceitar? 

Confesso que estou exausta, fisicamente (não aguento mais descer a serra, só este mês, que graças ao bom Deus acaba hoje, foram três vezes), emocionalmente e todos os entes possíveis. Acho que eu só quero um final de semana para eu poder ir no cinema, na manicure, brincar com o I. no parquinho e fazer nada...descansar! O emocional também encontra-se abalado, eu não entendo o porque num momento tão difícil não conseguimos nos apoiar e acabamos nos afastando mais ainda.

Bom meus queridos(as), escrevo um post digno de vocês amanhã depois de uma boa noite de sonho (cheguei de viagem a pouco, mas quis dar uma passadinha aqui, saudades...).

Ele continua longe da serenidade...e eu tentando recuperar a minha! 

Feliz Páscoa!

quarta-feira, 27 de março de 2013

O vendaval


Ola meus queridos(as)

Venho refletindo muito sobre toda essa problemática, conversei muito com a minha madrinha, que como sempre é dura comigo quando preciso escutar algumas coisas (como por exemplo eu me auto manipular) e me pega no colo quando estou prestes a desmoronar. Pedi para que ela coordenasse a sala ontem pois confesso me afastei totalmente do meu equilíbrio estes dias...e chorei até na minha partilha. Acho que foi mais um desabafo mesmo. A tarde ele me ligou e finalmente conseguimos conversar, recitei a velha e boa oração da serenidade antes e tentei ser o mais assertiva possível. Expressei minhas preocupações com o seu comportamento presente, mostrando para ele "os sinais"de uma eminente recaida, blablabla...honestamente, sinto que toquei algo dentro dele. De alguma forma consegui quebrar essa armadura que nós dois vestimos e disse de todo o coração o quanto o amo e estarei do seu lado, mas se ele entrar em recuperação. Não adianta nada ele falar que esta em recuperação, o que realmente eu escutarei são suas atitudes, elas me dirão mas tudo isso é um processo; não tem solução mágica. 

Também fiz o exercício de me colocar no seu lugar na tentativa de entender o que ele esta passando. O quão confuso, amedrontado e triste por ver a mãe morrendo de uma forma tão doída, tendo que aguentar as maluquices da irmã dele...e ele fragilizado, depois de apenas 4 meses internado saindo de resso (é muito pouco tempo para realmente criar raízes e enfrentar o vendaval sem sair voando). É muito peso mesmo para qualquer pessoa ainda mais para um dependente químico em tratamento! Olha, se ele sobreviver a isso tenho certeza que o resto vai ser fichinha. Digamos que o poder superior não facilitou para ele não! Ele de resso, a mãe morrendo, a irmã pressionando, nós afastados; tudo ao mesmo tempo agora já! Mas sempre fica aquela pulguinha atrás da orelha, será que ele esta me manipulando? Sinceramente, sinto que desta vez não. A sua dor é honesta, ele não esta bem, ele esta pedindo ajuda. Mas estou pronta? Conseguirei deixar as mágoas (ainda não resolvidas) de lado? Não é o momento de lavar roupa suja...é o momento para acolhimento. Uma das grandes dificuldades é essa transformação de sentimentos; mágoa em compaixão, dor em amor.

Não estou removendo meus limites nem facilitando mas ele precisa do meu apoio neste momento. Pronto aqui estou eu me auto manipulando de novo! Eita codependência que gruda na gente!

Vou roubar umas palavras carinhosamente enviadas à mim por um amigo:

Busque crescer, sempre, melhorar a cada dia e olhar para trás com a certeza de
que você deu o seu melhor no dia e se prepare para fazer mais amanhã. Mas faça
isso sempre olhando para os lados e estendendo a mão para quem quer que seja.
Suas vitórias só serão lembradas se forem compartilhadas.


Talvez esse seja o momento que eu preciso estender a mão.

terça-feira, 26 de março de 2013

Limpo sim em recuperação...não


Qual é a proposta da ressociabilização? Fazer um teste, analisar como o dependente químico em tratamento se comporta no mundo aqui fora. Utilizar essa oportunidade para ajustar as arestas, corrigir algumas atitudes cognitivas que ele apresente...enfim, um laboratório.

Infelizmente percebi algumas coisas conversando com ele  que não se encaixam no perfil de um dependente químico realmente em recuperação, acenderam algumas luzinhas vermelhas.
A primeira foi a arrogância, parece que ele tomou o chá do jatobão. Ficou interando APENAS 4 meses, esta limpo apenas a 4 meses mas já se transformou em outra pessoa, sabe tudo que tem que fazer, já resolveu tudo, inclusive os meus problemas e do resto do mundo...senhor de si! Outra coisa é o egocentrismo, ele continua achando que o mundo gira em torno do umbigo dele (ou talvez ele não ache mais porém gostaria que ele continuasse girando em torno dele). Quando disse que não iria descer a serra pois não estou disponível para ele 24 horas por dia 365 dias por ano ele surtou, e começou a fazer chantagem. Ele não respeita os limites que eu estou impondo, continua invadindo e acha que só porque ele resolveu ligar em plena segunda as 9 da manha porque esta de resso eu tenho que estar lá as 11! Olha, cansei dessa babaquices. O pior é que ele esta acostumado com as duas codependentes altamente facilitadoras que moram no manicómio e acha que comigo vai ser igual! Até já foi, mas não é mais não. E por fim, confesso que me assustou um pouco foi o fanatismo religioso. Saindo de um extremo e indo para o outro. Trocando seis por meia dúzia...dizendo que vai responder o chamado, que vai virar crente e sei lá eu mais o que. Qualquer pessoa que tenha lido e estudado um pouquinho o livro azul do NA já percebeu os sinais, né? E sabemos aonde vai dar, começa com R e termina com A: RECAIDA.

Sério, essas não são atitudes de alguém que esta em recuperação. Os poucos dependentes químicos que conheço que realmente estam em recuperação têm um discurso muito diferente, e basicamente eu sinto duas coisas neles: humildade e gratidão. Eu não vejo nenhuma das duas nele, pelo contrário, arrogância, prepotência, ansiedade e um fanatismo absurdo. 

Resumindo, ele esta limpo mas não entrou em recuperação. 

E eu nesta meleca toda? Ontem já dormi mau para caramba, estou me desgastando debatendo se entro em contato com a clínica e relato essas informações relevantes, afinal de contas ele ainda esta em tratamento...mas que diferença irá fazer também? Nesta M. de clínica só tem gente incompetente mesmo. Olha, espero super hiper ultra estar errada, mas o dia que ele recair (que não aconteça mas desse jeito fica difícil né?) vou fazer questão de ligar e dar os parabéns para a Cida e sua equipe de profissionais altamente qualificados.

segunda-feira, 25 de março de 2013

Esse mês não acaba, socorro!


Ola meus queridos(as),

Estou contando os dias para este mês acabar, março deve ser o meu inferno astral mesmo! Depois de duas conjuntivites, resfriados, idas frustradas a Peruibe o que mais faltava? Claro, ele de resso me ligando hoje de manhã querendo que eu desça para conversarmos. Se no telefone o negócio já ficou feio imagina ao vivo e a cores.

Agora a técnica dele é a psicologia reversa, ele esta em recuperação descobrindo-se uma nova pessoa e eu é que não cresço, estou doente blablabla ah...e mais uma vez meteram meu pai nesta salada. Meu Deus, quando este inferno vai acabar? E o discurso básico, sou outra pessoa, quero ser um pai para o meu filho, responsável, limpo blablabla...gente, eles são tão óbvios e previsíveis.

Pronto, lá se foi minha serenidade novamente. Bom, talvez o melhor seja descer e resolver essa situação de uma vez por todas! Racionalmente eu sei muito bem o que tenho que fazer, mas terei a força de dizer que a nossa relação acabou olhando nos olhos dele (pois eu sei que não acabou)? Eu ainda o amo mas não dá mais (será?). Eu primeiro, eu segundo e na dúvida, eu terceiro! Ou o melhor é simplesmente cair fora? Ser direta e objetiva numa curta conversa telefônica e ponto final. Claro que o ideal seria uma separação civilizada, mas não vou usar o I. como desculpa.

Ele disse que quer a verdade. A verdade é que eu ainda o amo, mas esse amor não me levou a lugar nenhum. A verdade é que eu tentei traze-lo para o meu mundo, não funcionou. A verdade é que ele sempre será um dependente químico. A verdade é que eu não quero isso para minha vida. A verdade é que não existe papai noel nem coelhinho da pascoa.

Ai que meleca, eu sabia que este dia ia chegar...mas estou preparada? Poder superior, a little help here.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Quando nasce um bebê NÃO nasce um pai também


Ola meus queridos(as)

Ufa, sexta feira! Última reunião encerrada, daqui a pouco desligo o computador e até segunda...não vejo a hora de aproveitar um pouquinho meu filhote este final de semana. Ele esta crescendo tão rápido, quase uma pessoinha, com suas preferências, suas "birrinhas"(vamos dar um desconto ele não tem nem dois anos); mas sempre muito carinhoso, carismático! Lembrando de tudo isso deu uma dorzinha pois o Caiçara não conhece o filho dele, não sabe quem ele é; alias, aparentemente também não se importa. É muito duro encarar a realidade, mas não consigo mascarar com flores e justificativas. Tudo bem, imagino que ele continue internado (logo não tem a mobilidade e acesso à um telefone como o resto do mundo), mas ele poderia pedir para alguém ligar ou mais fácil ainda, escrever perguntando do filho. Nada, nem uma coisa nem outra. Alias, se não estou perdida no tempo a sua resso deve acontecer em breve! Mas eu não tenho nada haver com isso.

É queridos....não consigo mais tapar o sol com a peneira. Antigamente criaria um trilhão de desculpas, o defenderia cegamente mas a realidade nua e crua é essa que esta na minha frente. Ele sempre quis ser pai, nunca esteve preparado para ser pai, não sabe o que é ser pai, não tem maturidade (apesar da idade já avançadinha) de ser pai e acima de tudo, não se responsabiliza. Se eu morresse hoje e a guarda do I. fosse para ele, meu Deus! Coitado do I.! Por essas e outras questões conversei seriamente com a minha irmã, nosso advogado vai tentar um acordo mas quero que a guarda do I. fique com a minha irmã se algo acontecer comigo. Não estou planejando que nada aconteça mas seguro morreu de velho né? Além de que não quero meu filho sendo criado por um bando de malucos e, pior, passando necessidade, sem ter as oportunidades que eu tive, que ele tem hoje e minha família pode oferecer também. 

No fundo eu nem fico mais chateada por mim, e sim pelo I. Contradições, o I. não merece ter este pai negligente e irresponsável, eu deveria ter feito uma inseminação artificial e comprado um esperma num banco de doadores...mas ai não seria o I. Esse é o catch 22. Para o I. ser o I. só da forma que as coisas aconteceram mesmo! De qualquer outra forma ele não existiria...quando a gente para para pensar assim dá um nó! 

Já que o advogado vai entrar com a petição, também estou aproveitando para regularizar a pensão, nem que seja $50 mas para que ele comece a entender o que responsabilidade significa. Ainda bem que nós não precisamos desde dinheiro (alias se $50 resolvesse minha vida eu estava é feliz, talvez a mega sena acumulada da virada resolvesse!), mas é um direito dele! E de $50 em $50 quando ele crescer pode fazer uma viagem ou gastar como quiser (é dele)! Esta mais do que na hora do Caiçara levar uma chacoalhada "paternidade", confesso que até então deixei muito as coisas correrem solto, facilitando para ele mais uma vez. Olha, eu não me lembro dele ter comprado absolutamente nada para o I. (nem um brinquedinho de plástico na 25 de março) desde que ele nasceu. São essas coisas que machucam uma mãe. A sorte é que o I. é muito pequeno ainda e não entende, alias honestamente, acho que ele nem reconheceria o Caiçara como "pai", ele não sabe o que é isso. Então ele não sofre...ainda. E no que depender de mim não sofrerá, também posso ser muito doida, conto uma história linda de amor para o I. e como o pai dele morreu salvando uma velhinha de um incêndio, volto para os USA e ponto final. Caiçara enterrado.




quinta-feira, 21 de março de 2013

...?


Ola meus queridos(as)

Que preguiça monstruosa! Estou me arrastando desde da hora que sai da cama, acho que vou desistir de lutar com ela e me render a sessão da tarde com direito a pipoca. Como seria bom se eu pudesse simplesmente sumir agora a tarde da empresa. Não tem dias que tudo que você quer é deitar no sofá, se cobrir com aquela manta companheira velha de guerra e assistir nada na TV?

Acho que estou meio carente hoje, precisando de um colinho. E esse friozinho, tempo nublado também não ajuda. Estou com saudades...mas é saudade dele ou saudade de ter um cobertor de orelha? Eu sinto falta dele ou sinto falta da sensação de ter alguém especial para compartilhar a vida? É complicado dissecar esse sentimento pois as coisas se confundem.

Não estou muito filosófica hoje, estou mais para história em quadrinhos do que para enciclopédia britânica.


quarta-feira, 20 de março de 2013

Só por hoje?

Ola meus queridos(as)

O tempo esta voando! Já estamos no final de março, semana que vem é Páscoa. Parece que o ano começou ontem...Como estou aproveitando este tempo? O que realmente ando fazendo da minha vida? Meus dias são sempre corridos, cada vez menos vejo o meu pequeno (que ou esta na escola ou com a babá), muito trabalho, trilhões de coisas para resolver, para completar vou começar uma pós graduação em abril e um MBA em maio...mas o que eu ando fazendo da minha vida?

As vezes tenho a sensação que simplesmente vou empurrando com a barriga. Claro que tenho meus momentos felizes digamos assim, mas no geral estou tão absorvida nesta "corrida" diária que nem percebo o tempo passar, e num piscar de olhos já estamos no final de março. Se eu continuar assim, mais um piscar de olhos e acabou o ano. Não gostei. Estou simplesmente passando pelos dias sem vivê-los. Segunda, virou terça que é igual a quarta e por ai vai...todos os dias são os mesmos dias! Lembrei de um filme engraçado, Groundhog Day, é com o Bill Muray ele vive o mesmo dia inúmeras vezes como se fosse um pesadelo, até que de tanto reviver o mesmo dia ele começa a prestar atenção nas outras pessoas e se importar com elas.

Não que eu seja a gigante egoísta da face da terra, mas talvez as pessoas estejam passando pelos meus dias sem eu dar a devida atenção à elas ou oportunidades para que elas entrem na minha vida. Andei pensando no que alguns amigos falaram: vai viver a vida. Devo estar tão fechada no meu mundinho que as pessoas passam pela minha vida sem eu deixar elas se aproximarem. Provavelmente é isso que meus amigos estam tentando me dizer, preciso me abrir para a vida, deixar as pessoas fazerem parte dela, fazer parte da vida delas também, estar disposta a experimentar coisas novas, aproveitar oportunidades...Enfim, abrir as janelas e deixar o sol entrar ao invés de ficar trancada aqui dentro. Mudar a atitude, ao invés de simplesmente encarar mais um dia, abraçar cada dia sabendo que este é único. 

Será esse o real significado do "só por hoje"? Viver plenamente, de peito aberto apenas o dia de hoje. Sem o peso do ontem nem as expectativas do amanhã?

terça-feira, 19 de março de 2013

A fatura do cartão de crédito sempre chega


A consequência das escolhas são inevitáveis, elas podem demorar a acontecer mais acontecem. E o pior, acabam envolvendo terceiros, quartos que indiretamente apenas sofrem as consequências das suas escolhas...I should have known better! 

O alvo agora é o meu pai, a maluca da irmã do Caiçara não contente em ter que lidar com a mãe morrendo se vê no direito de ficar ligando para o meu pai, que é uma pessoa extremamente ocupada sem a mínima relação com eles (alias meu pai simplesmente odeia o Caiçara e amaldiçoa o dia que conheci aquele manicómio) e educado demais para mandar ela se colocar no seu lugar. Meu Deus, porque as pessoas simplesmente não esquecem que nós existimos? Eu já não fiz o que eles queriam, levei o I. lá. Pronto, acabou, esquece...Confesso que o melhor seria ignorar mas não consegui pois esta invadindo o espaço da minha família (até mensagem na secretária eletrônica na casa dele a maluca deixou)! Apreendi que as pessoas não fazem nada de graça, mas não sei qual a sua intenção com tudo isso. 

Mais uma vez lá se foi minha serenidade, enviei um SMS extremamente desagradável deixando bem claro que ela parasse de entrar em contato com qualquer pessoa que tivesse o mesmo sobrenome que o meu, o quanto nós não gostamos dela, o quanto nós não estamos interessados em nada do que ela tenha a dizer; e se meu pai é educado demais para não dizer digo eu: vai cuidar da sua vida e deixe a gente em paz. É queridos...a paciência acabou! Espero que surta efeito, mas do pouco que conheço a infeliz, pouco provável. Porém não me arrependo, deixei bem claro os limites. Enquanto a coisa é comigo tudo bem, afinal de contas as escolhas foram minhas (não que eu tenha escolhido ela como cunhada, eu escolhi o irmão dela como companheiro...mas o resto vém no pacote né?). Toda essa dinâmica é fruto do fato de eu ter feito as escolhas erradas!!!! Será que todos os gastos estão sendo cobrados na fatura deste mês ou eles foram parcelados? Ai...em quantas vezes? Socorro!

Brincadeiras a parte, uma voz aqui dentro continua dizendo que o melhor é manter a distância. Inúmeras vezes deixei que meu coração falasse mais alto que a razão e todos nós sabemos aonde isso nos leva. Também não acho que devemos agir como robôs, ou Dr. Spock (adoraria mas não sou vulcano); somos seres humanos providos de sentimentos e emoções (o que complica). Talvez o ideal seja utilizar a razão para avaliar esses sentimentos na tentativa de compreende-los melhor e assim mudá-los ou não. Faz sentido? Estou me complicando hoje!








segunda-feira, 18 de março de 2013

Fantasmas


Só quando saimos da nossa zona de conforto e somos testados percebemos como algumas coisas ainda são tão difíceis de aceitar. Aceitar que a mãe dele esta morrendo, aceitar que a família maluca dele me odeia (apesar de tudo que eu fiz para eles), que ele é um dependente químico (e sempre será), que nós não voltaremos a morar na nossa casinha na beira da praia e ter a vidinha que tinhamos, que o seu passado é um filme de terror, que aquela pessoa que eu amo talvez nem exista...

Final de semana com altos e baixos, sabia de antemão que seria assim...Saimos sábado de manhã sem muito atraso (um milagre, pois viajar com criança pequena é quase uma mudança), admirei mais uma vez a beleza exuberante da Mata Atlântica contrastando com essa obra colossal de engenharia que é a Imigrantes descendo a serra. Assim que chegamos passei na Dona N., desta vez não teve desculpa para não ficar lá, ela é madrinha do I. e ficaria chateada se eu recusasse novamente; peguei a chave e, confesso, conscientemente dei aquela enrolada básica tomando uma cerveja, jogando conversa fora sem a mínima pressa de levar o I. na casa da mão do Caiçara. Como bons britânicos que eles não são, recebo a ligação deles; tá bom estou indo (que saco). 

Milhares de recomendações para a babá, acho que estressei ela um pouco. Parei na porta, apenas sai na calçada a tia Vera, apresento a babá, ela será responsável pelo I. na minha ausência, daqui a uma hora eu volto  e ponto final. Fiquei impressionada comigo mesma, total indiferença. Uma hora depois, passo para pegá-los no portão, e dirijo me afastando daquela casa com a sensação que eu nunca mais vou precisar voltar lá...Também uma sensação de "missão"cumprida, fiz a minha parte. As vezes sinto pelo I., mas os mundos são muito diferentes e inevitavelmente ele vai acabar crescendo apenas com o amor, carinho e convivência da minha família. Alias, independente da problemática dependência química, os nossos mundos são muito diferentes...eu tentei traze-lo para o meu, não deu certo; eu viver no dele impossível e me questiono será possível um meio termo? 

Enquanto o I. visitava a avó, encontrei um amigo muito querido, conheci o S. através do Caiçara (alias eles são amigos de infância e cúmplices no crime). O S. não é nenhum santo, já fez muita merda também, conhece o submundo das biqueiras mas hoje cria seu filho sozinho e não se mete mais nisso. Não sei porque mais uma vez fiquei muito triste com algumas coisas que fiquei sabendo (não deveria mais me abalar), como por exemplo, no dia que ele foi internado estava fumando maconha...Poxa, o cara já tinha se comprometido com a internação e resolveu fazer uma "despedida"? No final, o S. me disse algo que, como amigo do Caiçara nunca pensei escutar, ele falou: vai viver sua vida, até quando você vai ficar esperando por ele? É queridos, até a babá do I. outro dia me deu um puxão de orelhas também! 

A noite sai com uns amigos para jantar e jogar conversa fora, eles ficaram tentando me convencer a ir numa "balada", não deu certo e antes da meia noite estava na minha caminha. Olha, eu sou de uma época que você saia a noite para se divertir, dançar, tomar uma cerveja e chegar em casa as 2 da manhã já era passar da conta. Hoje, você vira a noite, já sai mau intencionado, toma um porre e acaba transando com alguém que você nunca viu antes na vida. Outros tempos.

Dormi pessimamente, e não adianta nem culpar a colchão. Tive um pesadelo, a mãe dele aparecia do nada e falada "você não serve para cuidar do meu filho", super Freud né? Fiquei meio impressionada pelo que a babá descreveu, o estado físico de degradação dela, o quanto ela chorou quando viu o I., até parece que ela só estava esperando a visita dele mesmo para morrer...será que a mulher morreu naquela noite mesmo? Vixiiii. Honestamente, eu não tenho a mínima idéia se alguém deles se daria ao trabalho de ligar avisando do falecimento (claro que velório esta fora de questão). Mando entregar uma coroa de flores e encerrado o assunto.

O domingo amanheceu chuvoso e transformou-se num dilúvio! A estrada estava congestionada, perigosa (acabei subido pela Anchieta) contando cada kilometro. Chegamos exaustos e o I. com uma febre. Cuidei dele, a febre baixou e antes das 6 da tarde já estava dormindo. Eu capotei logo depois. Que final de semana...

sexta-feira, 15 de março de 2013

O ciclo da vida


A única certeza que temos nesta vida é que ela acaba. Por muitas vezes esquecemos o quão frágil e efémero nossa existência é. Eu, pessoalmente, até o presente momento nunca enterrei ninguém. Claro, perdi meus avôs/avós a muitos anos mas nada traumático, um processo natural, sem maiores sofrimentos...e lembro deles com muito carinho e saudade, mas não dor ou revolta. Resumindo, a minha convivência com a morte foi reduzida. Ainda tenho meus pais vivos, bem de saúde e, por mais que eu tente convence-los a diminuir o ritmo, trabalhando das 8 as 8. Ambos farão 70 anos em breve e não são eternos, por mais que eu queira...vejo as marcas do tempo, alguns lapsos de memória, aquela teimosia e isso me lembra, que hoje eles estam aqui, amanhã não se sabe. 

Porque lidamos com a morte quase como se fosse um tabu? Algumas religiões orientais encaram a morte da mesma forma que o nascimento, um ciclo natural enquanto nós nos descabelamos, sofremos, não deixamos as crianças nem chegar perto, nos vestimos de preto...Não estou sugerindo que transformemos um velório num ensaio de escola de samba, mas um ritual de passagem (fácil falar né? Quero ver quando for a minha mãe se eu terei essa clareza toda). 

E aqui me pego divagando sobre essa temática. Ontem recebi outra ligação da tia do Caiçara pedindo novamente que eu levasse o pequeno para a mãe dele ver, desta vez os ânimos estavam menos exaltados (inclusive os meus) e até conseguimos ter uma conversa civilizada. Parece que desta vez não é blefe não, um amigo meu esteve lá uns dias atrás e realmente confirmou que a situação esta feia, ela realmente esta nos finalmentes. Bom, meu pequeno é bem pequeno, provavelmente não lembrará desse encontro no futuro e vou deixar a babá com ele então lá vou eu descer a serra amanhã.

Na verdade o que realmente esta me incomodando é como lidar com ele, ou melhor, comigo frente a isso tudo. Mantenho minha postura silenciosa, continuo afastada sabendo que este momento deve estar sendo muito mas MUITO difícil para ele? Ou revejo essa decisão e me re-aproximo? Mas em termos práticos, o que de concreto eu posso fazer por ele, a não ser dizer algumas palavras de consolo e encorajamento? Nada. 

Bom, enquanto isso hoje é sexta feira, o meu dia favorito da semana! E por pior que seja os motivos que nos levam a descer a serra agora, é sempre maravilhoso rever os amigos, tomar uma cerveja no quiosque da Dona N. olhando as ondas quebrar na praia (apesar de que falei com ela no telefone e o tempo esta uma meleca). 


quinta-feira, 14 de março de 2013

A família (dis)funcional




Bom Dia queridos(as),

Como estou longe da serenidade, ontem isso foi colocado a prova com uma simples ligação. Fim do dia, meu pequeno já no berço, eu terminando umas coisas no computador pensando em tomar uma cerveja bem gelada e assistir ao jogo de futebol mais tarde...tranquilo começo de noite interrompido pelo celular tocando; era o número da casa da mãe dele (o manicómio). Não atendi...Três minutos depois, novamente. Tá bom, melhor atender de uma vez.
Era a tia dele, uma das poucas pessoas sãs daquela família que eu tenho um certo apreço e respeito. Claro que eles iam pedir para ela ligar pois sabiam que eu não bateria o telefone na cara dela (eles são malucos mas não burros). Blablabla, a mãe dele esta muito mal, mas últimas, sem sair da cama, só pede para ver o neto mais blablabla...manipulação, deixe Deus tocar seu coração, blablabla...traga o bebê para ela ver antes de morrer...blablabla. Já estava quase me convencendo, mas, opa! Só o pequeno, eu não. É mesmo, eu fico no portão esperando, ela não pode ficar nervosa, se me ver...blablabla...SURTEI! Confesso que totalmente sai do meu equilíbrio. 

As vezes acho que eu devo viver numa realidade paralela. Não é possível...enfim, nos desentendemos no telefone, acabei desligando e depois o gigante sentimento de culpa (que merda). E se a mulher morre mesmo desta vez e eu não levar o pequeno para ela ver? Afinal de contas, ela não deixa de ser a avó dele. Puta chantagem barata. Mas funcionou, me acalmei, falei com meu pai que sempre traz um pouco de razão as coisas, sugeriu que eu fosse sim mas no final de semana, sem alterar a rotina do I. ou muito menos os meus compromissos profissionais, levasse a babá junto e deixasse o pequeno (com a babá) uma horinha no manicómio enquanto eu tomo sol na praia. 

Sabe, eu não sei porque deixei uma besteira destas me desequilibrar tanto. Preciso trabalhar mais o meu modo "foda-se" e não me importar com o que os outros acham ou pensam de mim. No fundo o que interessa é o que EU acho ou penso de mim mesma. 

Hoje, inevitavelmente pensei nele, muito mesmo. O Caiçara é uma pessoa com relações familiares muito complicadas, perdeu o pai a uns bons anos atrás (alias o corpo foi exumado ano passado, pois é, a boba aqui estava lá segurando a mão dele enquanto ele se debulhava em lágrimas). Não passa um dia sem que a irmã ou a mãe não falem do falecido, horrível mesmo, o  homem já foi enterrado e desenterrado e elas continuam falando do coitado todo santo dia. Pelo pouco que eu sei, o pai era uma pessoa muito simples, sem instrução, extremamente rígida, a forma de educar os filhos era na base da porrada e evangélico fanático, daqueles que sai com a bíblia na mão querendo converter o mundo. Quando ele faleceu repentinamente, o Caiçara estava no uso, não duvido nada que a última vez que viu o pai não estava doidão...ele sente muita culpa e vergonha, uma mistura de amor e ódio pelo pai. Eles são três irmãos, a mais velha é totalmente insana, se comporta como uma adolescente deslumbrava, fofoqueira de carterinha, negligente e fisicamente abusiva com o filho de quase 8 anos (que não sabe somar 10 + 13) encontrou Jesus e passa os dias escutando hinos evangélicos (ela faz questão em obrigar que o quarteirão inteiro também escute) e falando da vida dos outros "irmãos"da igreja ou fazendo barraco por ai. O do meio é o mais normal, casado, não se envolve nestes dramas todos e leva sua vida afastado do manicómio. E o Caiçara é o caçula. A mãe  é a clássica facilitadora, protege o filho caçula passando a mão na cabeça dele sem perceber o quão prejudicial este comportamento é para o crescimento do Caiçara. Ela é o porto seguro dele, o alicerce desta famíla e eu me pergunto: o que vai acontecer se ela vier a falecer agora? 

quarta-feira, 13 de março de 2013

Como se desligar?



Bom dia,

Não há mais cartas...a última carta foi a ÚLTIMA carta. Porém vou continuar fazendo uso deste espaço e escrever agora para mim mesma. Colocar os sentimentos no “papel”ajuda a trazer um pouco de sentido ao caos emocional, ne'?

Ontem estive na sala e me escutando partilhar cheguei a conclusão que ainda falta muito para alcancar o tão almejado desligamento com amor. Eu me afastei mas consegui me desligar emocionalmente? Para mim o desligamento é a chave que abre a porta da recuperação da codependência. Se afastar é relativamente fácil, ainda mais com ele internado...eu simplesmente não vou visitá-lo, não ligo nem escrevo mais, resumindo, contato zero. Já o desligamento...muito mais complexo, pois este requer que padrões de comportamento enraizados na codependência (como o controle e o medo, por exemplo) sejam abandonados. É queridos, o desligamento não é fácil não!

Percebi também que tenho muito receio, não, é medo mesmo da eminente ressociabilização e futura alta da clínica. Olha, por mais que eu queira acreditar em papai noel ele não existe! O cara fica trancado por 4 meses, sem contato com o mundo, sem entrar numa padaria para tomar um cafezinho, sem ir no supermercado fazer compras, sem andar na rua...enfim, coisas banais do dia a dia e de repente BUM: 5 dias de volta ao mundo. E pior de volta para a casa da mãe e da louca da irmã dele, um manicômio. Pensando bem, se ele conseguir ficar estes 5 dias limpos ele merece um troféu mesmo! Depois mais um mês na clínica e até logo, parabéns, aqui esta o seu diploma. E de volta para o manicômio...Minha sugestão: mais alguns meses internado em uma clínica profissional gradualmente sendo reinserido na sociedade, com uma terapia familiar, traçando planos concretos de manutenção e por ai vai. Mas aparentemente só eu enxergo as coisas desta forma.
Então, como me desligar se ainda tenho medo? Preciso eliminar este medo, me conformar que as decisões estam fora das minhas mãos (mais codependência) e seja o que Deus quiser.

No fundo, o que me falta é a “sabedoria para perceber a direfença” pois sempre acho que posso modifiar todas as coisas! Nossa, como é bom colocar no papel, re-lendo esta frase nem eu acreditei na minha prepotência. Ao longo dos anos me transformei numa ditadora, já esta mais do que na hora deste regime militar acabar. Só não sei se acontecerá através de um golpe ou uma lenta transição democrática.




segunda-feira, 11 de março de 2013

A última carta


São Paulo, 5 de março de 2013

Querido Caiçara

Escrevi este trecho enquanto estava em Peruibe:

Hoje é seu aniversário, mais uma vez desci a serra na esperança que pudessemos nos ver neste dia especial. Mais uma vez desci a serra na esperança que colocassemos nossas diferenças de lado e fossemos um casal novamente, desci a serra na esperança que nosso amor pudesse nos unir, que falasse mais alto que as mágoas e as dores. Desci a serra na esperança que o I. pudesse ver o pai dele...E subo a serra com a certeza que não somos um casal, as mágoas e dores ainda gritam mais alto e o I. continua sem ver o pai (acho que ele nem mais lembra de você). Tudo em vão.
Venho pensando muito no que fazer frente a tudo isso. Cheguei a conclusão, o melhor é não fazer nada...vou deixar o tempo passar. Quando você estiver fora desta clínica, sem a necessidade da Cida autorizar absolutamente nada, longe da insanidade de alguns membros da sua família e mais certo de que lado da cerca você esta poderemos sentar e conversar sobre nossos sentimentos. Neste dia nos olharemos nos olhos e saberemos se ainda existe amor entre nos...enquanto isso mais uma vez me afasto, até por uma questão de sobrevivência mesmo. E olha que já me afastei bastante, mas ainda não foi o suficiente...

Até lá desejo o melhor para você e eu vou continuar levando a minha vida sem descer mais a serra. Ou se descer será sem esperar nada...apenas encontrar o mar e rever meus amigos.
Feliz aniversário!

Presente momento:

Relutei muito mais é o melhor a fazer, por nós (o resto que se foda)! Eu e você, sem interferências, sem pessoas malucas no caminho...nós, quando você sair dai iremos nos encontrar e saber o que sobrou, o que vale a pena ser resgatado, o que se perdeu...mas nós, apenas eu e você. Então meu querido, me despeço hoje, e no dia que estivermos preparados para NÓS voltamos a nos comunicar. Enquanto isso apenas desejo o seu melhor, e que seu caminho encontre com o meu no futuro. Como dizem, entreguei para o poder superior...eu estou chegando quase lá (a minha traduçao de entregue ao poder superior: chutei o balde, se der certo deu senão deu errado e não era para ser).

Não irei mais ligar, visitar (já não ia mesmo, agora menos ainda) e nem mais escrever...estou deixando que você faça suas escolhas, sai do caminho, tirei meu time de campo! É o melhor que posso fazer agora. O dia que você sair dai e estiver preparado para ficar do meu lado (e não contra mim) me procure...

Um abraço apertado, um beijo longo...e a saudade de dizer te amo (algum dia de novo).
Dona Barriga

O arquipélago continua mágico


Molokai, 26 de Fevereiro de 2013

Querido Caiçara,

Finalmente chegamos em Molokai e hoje vamos ficar num hotel confortável, sem ter que fazer ginástica para dar banho no I., muito menos passar metade da noite acordada abraçada com ele achando que vai despencar da cama...Não me arrependo mas puxa, tá bom de mar para ele por um bom tempo. Em nenhum momento ele enjoou ou passou mal, mas depois de alguns dias começou a ficar meio entediado (por maior que seja o iate o espaço é limitado, e eu correndo atrás dele a toda hora né?). Foi muito mágico, não tem por do sol mais lindo, acordar com o gigante silêncio do oceano, e Niihau foi único mesmo. Morei anos aqui e nunca tinha ido até Niihau, na verdade é uma ilha muito pequena que pertence ao arquipélgo havainao, mas antes do Hawaii ser anexado como estado norte americano, ela foi vendida pela monarquia havaina a família Robinson e hoje apenas umas 300/400 pessoas vivem lá como a 100 anos atrás (sem luz elétrica, esgoto...). Só é permitido desembarcar na ilha pessoas convidadas, como o Albert tem uma tia-avô que mora lá (e faz as leis de conchas mais lindas que eu já vi além de caras) conseguimos uma permissão. Uma experiência única mesmo, sem contar as baleias! Várias cruzaram nosso caminho, com direito a espetáculos a la Nacional Geographics! Durante o inverno elas migram para os trópicos para rituais de acasalamento , algumas já estavam com filhotes e durante o verão voltam para o ártico se alimentar (as populações de baleias dos hemisférios norte e sul não se encontram pois não cruzam o equador).
Uma jubarte, enorme (provavelmente grávida) chegou bem pertinho no nosso barco e o Iago ficou hipinotizado! Depois deste dia ele não parou mais de ficar apontado para o mar esperando ela aparecer novamente. Muitos golfinhos (ele não deu muita bola para eles), alguns leões marinhos, cardumes de atum (o C. tirou um da água depois de 3 horas brigando pesando uns 120 kg tranquilo)...eu confesso que minha falta de prática contou, deixei um marlin enorme escapar, forcei demais a linha e ela arrebentou. No dia seguinte me redimi e pesquei um Ono (não sei como chama em português) que virou um jantar delicioso, os Ono não são tão grandes, mas brigam feio (são peixes pelágicos de cruzeiro), difícil de tirar da água e muito saborosos! Eu e a Ro cozinhamos ao estilo polinésico com molho de macadâmia e folha de bananeira. Não sobrou nada! O I. gostou também. Lembrei da primeira vez que participei de um campeonato de pesca como parte da tripulação e ganhamos o prêmio de maior Ono (eu que pesquei!!!!!) Outra noite, graças a Lua, pescamos (sem esforço nenhum, tadinhas elas são atraídas pela luz) uma tonelada de lulas. A Ro recheiou elas com um arroz maluco que ela inventou, o I. não se animou tanto assim...

Bom, amanhã volto para Honolulu daqui mesmo (já confirmei o vôo), eles continuam até a Big Island aonde o barco fica ancorado. Chega de mar para o I.! Kilauea fica para a próxima, mais uma razão para voltar aqui. Apesar de que pensei muito mesmo em extender nossa viagem, até pela falta de notícias suas...nem uma linha, nada. Talvez você não precise de mim mesmo e se eu ficasse por aqui não faria muita diferença. Mas se eu decidir voltar a morar aqui será uma decisão pensada, resolvendo as coisas pendentes no Brasil primeiro e não como uma fugitiva (correr dos problemas não resolve nada). Então, vou continuar com a proposta inicial, e dia 1 estou chegando em Sampa.
Não sei se você recebeu meus outros emails, mas pensei em ir ve-lo no seu aniversário mas na condição que você passe o dia conosco, e na segunda feira entrego você de volta para a clínica. Senão fica pro próximo aniversário...ou sei lá eu quando. Só, por consideração, me avise assim posso me organizar quando chegar no Brasil (pois o tempo será curto né? Dia 3 esta quase ai).

Como não tenho absolutamente a mínima idéia de como você esta ou o que acontece por ai, só peço que esteja bem, mas confesso que cada vez menos penso nisso (graças a sua clínica também, que nunca me da satisfação nenhuma e não me inclui em nada, só nos pagamentos – ai eles lembram de responder meus emails rapidinho!).
Beijos, Dona Barriga

Para variar...no news


Kailua/Kona 22 de Fevereiro de 2013

Oi Caiçara,

Bom, hoje é sexta. Como disse no último email estamos embarcando amanhã, logo não terei como ligar (e meu acesso a rede será restrito)...poderia fazer isso hoje mas até agora ninguém se deu ao trabalho de entrar em contato comigo (alias mandei uma mensagem para a Cida a respeito disso, que claro ela não respondeu). Se você, que é o maior interessado também não se deu ao trabalho de mandar nem uma linha porque ela né? Menos ainda...Alias continuo esperando a carta que você disse que escreveria essa semana....pensando bem, eu nem sei porque ainda me engano. Faz tantos anos que estou esperando tanta coisa de você que já perdi a conta mesmo! A verdade é: não dá para esperar nada de você. Desculpe, mas sabendo que as coisas não estam bem entre nós dois, depois de mais uma conversa desastrosa no telefone não passou pela sua cabeça que eu não estaria legal e aguardando sua carta como você prometeu? Talvez uma palavra de carinho? Olha, em recuperação ou não você continua o mesmo egoísta de sempre...E se você vier com qualquer desculpa ridícula que não teve tempo eu realmente vou ficar mais chateada do que já estou e literalmente mandar você a merda.

Sabe querido, tudo isso só vai se somando...Enfim, todas essas atitudes apenas fortalecem minhas escolhas. Não tenho muito mais a dizer à você, alias cada vez menos sinto vontade de dividir algo com você ...cada vez menos sinto vontade de partilhar meus sentimentos com você.

A Ro e a S. vieram com a gente no mesmo vôo hoje cedo, o C. e o Albert já estavam aqui nos esperando no aeroporto. Como é bom rever a Big Island, muitas saudades daqui! Não vejo a hora de ir para Kapoho (só semana que vem quando voltarmos). Cada uma das ilhas é única, mas a Big Island sempre foi a minha favorita, um lugar especial no meu coração. Queria muito levar o I. para ver o Kilauea mas o tempo é meio curto, quem sabe.

Antes de mais essa “falta” de consideração comigo estava até ponderando ir visitá-lo no seu aniversário (chego dia 1, se até lá não mudar de idéia e extender a viagem). Mas também não vou descer a serra, depois de 24 horas de viagem só para ficar 2-3 horas na clínica. Gostaria que você passas-se o dia comigo e o I., praia, almoço, o básico que casais normais fazem e na segunda de manhã, antes de subir deixou você na clínica. Você disse uma vez que se conversando (ai), a coisas se resolvem...então resolva (eu não tenho paciência para conversar com mais ninguém). Eu já tenho certeza que eles não vão deixar, você vai simplesmente baixar sua cabeça e concordar (afinal de contas eles sabem o que é melhor para você) e eu simplesmente não vou! E quem vai deixar de aproveitar um pouquinho do que é passar um dia com o seu filho é você! Eu vejo o sorriso lindo dele todo dia, conheço cada dobrinha do seu corpinho, identifico cada uma das suas diferentes risadas, escuto ele falando mamãe, conheço seus brinquedos preferidos, a cara de sapeca que ele faz, o quanto ele gosta de ficar olhando a água do chuveiro cair...pequenos detalhes, que dizem muito. Eu sei quem é o I., você não.

Bom, como coloquei antes meu acesso a rede será limitado mas vou continuar checando meus emails (não na esperança de receber notícias suas, você esta ocupado demais para escrever duas linhas) mas eu tenho família sabe? E outras pessoas amigas que escrevem para mim também porque elas se preocupam! Elas se importam! Elas gostam de mim e do meu filho! Pois, é, olha que incrível... Eu quero alguém do meu lado que me defenda (você nem sabe o que é isso, e não tem nada haver com sua doença, é sua personalidade mesmo)! Me protega, me ame, cuide de mim, esteja do meu lado independente... Você me coloca em segundo plano e o I. também.

Beijos, Dona Barriga

A codependência atravessa o Pacífico


Honolulu, 17 de Fevereiro de 2013

Caiçara,

Chegamos aqui cedíssimo, depois de um vôo longo e cansativo, e ao invés de eu descansar não, recebi seu email (as 6 da manhã) e fiquei preocupada pois você não tinha compreendido nada. De acordo com suas palavras, estava triste e pensativo (e me senti culpada, olha a codependência ai gente!). Tentei ligar várias vezes, e quando finalmente consigo falar com você mais um desastre...estou chegando a conclusão que estamos voltado a estaca zero, comunicação zero, compreensão zero, cobrança mil, paranóia mil. Não são números muito animadores...

Esta na hora de você começar a me dar um pouco mais de valor e, acima de tudo, respeito! Se você acha que por um passeio de barco, meia duzia de cervejas e carência eu iria para cama com outra pessoa (mais ainda um ex-marido, se eu quisesse continuar indo para a cama com ele, ele não seria meu ex-marido e sim marido, faz sentido nesta sua cabeça?) você realmente não me conhece! Pior, sinto-me extremamente ofendida e desvalorizada nos meus sentimentos por você. Se você não confia em mim, no amor que eu tenho por você eu estou fazendo exatamente o que nesta estória? Só me avise pois, honestamente, fazer parte desta estória não é fácil. Analisando racionalmente, em algum momento no nosso relacionamento eu dei motivo para você não confiar em mim? Mesmo quando as coisas estavam uma gigante merda? Mesmo quando você simplesmente sumia com meu dinheiro, meu carro etc...? Eu estava aonde? Tomando cerveja no motel com meia dúzia de homens? Não! Eu estava em casa, me descabelando, esperando você voltar e depois reparar os danos que você causou. Ou seja, eu tive e tenho todas as razões e oportunidades de dar um enorme pé na sua bunda...mas uma coisa que eu não tenho controle me impede (e não é o I.), é o amor que sinto por você, então dê mais valor a isso e me respeite!

Cresça Caiçara, depois desse seu momento ciumento/machista/inseguro/medo/possessivo e sei lá eu mais o quê sinto que ainda esta faltando e muito! Você esta apreendendo (espero) que suas ações têm consequências, e a consequência dessa sua atitude é esta, fiquei muito magoada mais uma vez com a sua desconfiança (mesmo eu tentando esclarecer as coisas no telefone pois achei que teria sido apenas um mal entendido) e acabo me afastando emocionamente mais uma vez. Pare de sabotar o amor que tenho por você...tudo tem limite.

Também achei um absurdo você questionar a segurança do I., quem você pensa que eu sou? Alias quem é você (pai do ano) para imaginar que eu colocaria o I. em alguma situação de risco?
O barco (na verdade é um iate), é novíssimo com toda a tecnologia disponível hoje, eles navegaram com ele mês passado da Nova Zelândia até aqui, com toda a documentação necessária (e aqui nos USA não tem rolo não), super confortável e seguro...Que tipo de mãe você acha que eu sou? Ah, é que você deve estar acostumado com umas e outras por ai (sem nomes né?). Não confunda...eu sou a Dona Barriga, mãe do I., não esqueça! E nunca mais se esqueça disso, estamos entendidos?! Alias, a pergunta é, que tipo de pai você é? Não questione minhas decisões como mãe enquanto você não for um pai responsável, pois desde que o I. nasceu quem é responsável por ele sou eu (não que esse tenha sido o plano original, a idéia é que fossemos nós dois juntos...mas você nunca se responsabilizou por nada, e sim sobrou para mim!). Enfim, não toque mais neste assunto porque ai sim, teremos a briga do século!

E sabe o que me irrita mais? Eu comigo mesmo. Do outro lado do mundo, exausta, recebo seu email e pronto...fico preocupada, querendo tentar ajudar e olha que beleza! Só acabo me complicando mesmo e me machucando, antes tivesse deixado você fantasiar suas inseguranças o quanto você quisesse. Codependência me pega as vezes, qualquer outra pessoa simplesmente leria seu email e pensaria, que pena, ele não entendeu nada...bom fazer o que, vou dormir porque viajei 12 horas + 4. Mas estou aprendendo, um dai eu chego lá!

Mas algumas poucas coisas já apreendi, e não vou deixar esse momento Caiçara estragar minha chegada na minha tão amanda ilha! Nunca esqueci o azul turquesa deste mar, a sensação de olhar pela janela depois de inúmeras horas de vôo e avistar as ilhas pela primeira vez, como um oásis no meio deste enorme oceano, descer do avião e sentir o calor aconchegante, o aroma das plumérias...e os amigos esperando no desembarque com as leis (colares de flores) dizendo Aloha!

O I. esta meio “sem horários”por causa do fuso, depois que chegamos ele dormiu quase a manhã toda, acordou depois do almoço (comeu super bem, a Ro – que cozinha muito- fez um feijão com uma carne seca que eu trouxe) e ficou pilhado...consegui colocar ele para dormir eram quase 10 da noite. Daqui uns dois/três dias ele entra no ritmo, até eu fico meio zumbi nos primeiros dias. Depois que consegui fazer o Iago dormir, a S. (filha da Ro) ficou de baby sitter (alias levei um choque quado vi a menina, moça! Já esta na faculdade e tudo...conheci ela tão pequenininha, como o tempo passou mesmo...), pois combinaram um jantar no meu restaurante favorito (nem acredito que a Ro lembrou disso, é um tailandês perto de Waikiki!). Quando chegamos fiquei imensamente feliz, muitos amigos queridos de longa data, pessoas que estudaram comigo na universidade, americanos, brasileiros! Fiquei profundamente emocionada...reencontrar tantas pessoas que, nem sei as vezes, porque deixei para trás...ou faz parte da vida mesmo, as despedidas e os encontros, os encontros e as despedidas...um ciclo.

Hoje acordei e prometi para mim que, faça o que você fizer, diga o que você dizer, escreva o que você escrever...sinta o que você sentir são todos atos seus e eu não vou mais tentar resolver nada (pois eu não tenho este poder mesmo), não vou mais me abalar (pois acabo sempre me machucando), não vou mais interferir (porque ninguém me escuta mesmo, começando por você)...não vou mais nada! Quem tem que me reconquistar, quem tem que me respeitar, quem tem que me amar, quem tem que provar que vale a pena é você! Sabe quando você vai no cinema assistir um filme e espera um final feliz? Sou eu sentada naquela primeira fila aguardando o final feliz comendo pipoca.

E assim vou para Kaimana beach, passar o resto do dia com o pequeno. Precisei viajar até o outro lado no mundo para me lembrar que viver é bom, a vida é uma benção e que eu passei tempo demais sem viver...a minha vida. A minha vida, que teve, tem e sempre terá suas ondulações, altos e baixos mas, agradeço ao Poder Superior (que sempre esteve do meu lado, mesmo eu não sabendo) pois é uma vida maravilhosa! Uma família amorosa e compreensiva (com nossos problemas claro), amigos queridos, experiências únicas (já vi e fiz muita coisa), um filho simplesmente lindo que é tudo para mim, e um amor sem tamanho por você (espero que correspondido a altura).

Então só tenho a agredecer, hoje e sempre!

Mas eu confesso, estou cansando dos nossos atritos. Talvez este tempo seja mais do que necessário, quem sabe você apreenda a dar valor ao que você ainda têm e comece a me tratar com mais amor, carinho, compreensão e, acima de tudo, o respeito que eu mereço. Não vou me contentar com nada mesmo do que isso. Desculpe, mas estou deixando meus limites muito claros. Sei que facilitei demais para você, deixei você me manipular, você me desvalorizar, você me tratar como um lixo as vezes...mas a realidade hoje é outra.

Também estou olhando com cuidado o que posso contribuir para mudar a dinâmica da nossa relação, pois nem sempre o respeitei (ficava meio impossível né?), acabei assumindo papéis que não são meus e sim, inúmeras vezes não levei você a sério por tratá-lo como um adolescente mau resolvido e rebelde (você também se comportava como um). E acabei me sobrecarregando, pois não tinha como dividir as responsabilidades com você. E acabei me fechando, pois não tinha como me abrir...meu companheiro não era um companheiro para “todas as horas” eu não podia contar com ele, então fui me fechando e resolvendo (ou não) mas tomando decisões independente dele, das opiniões dele, dos sentimentos dele. E acabei virando uma ditadora por falta de opção mesmo! Então eu também preciso reapreender a como me relacionar com esse “novo”companheiro, mais adulto, saber que eu posso confiar nele, pedir ajuda, apoio, colo...e que as decisões que dizem respeito a nossa relação e ao nosso filho possam ser tomadas em conjunto levando em conta os meus sentimentos e os dele. Criando este espaço de cooperação que até então, não existia. Resumindo, eu também preciso olhar você com mais respeito e consideração (mas como você mesmo disse, o processo é lento). Enfim, aguardo carinhosamente este “novo”companheiro porque, honestamente, estou meio de saco cheio do “velho”companheiro.

Beijos,
Dona Barriga

P.S: O Hawaii continua lindo!

P.P.S: Na sexta voamos para a Big Island (meia horinha de vôo, rapidinho) e no sábado estaremos embarcando. O C. tem um celular que funciona via satélite geostacionário (tipo exército), mas fico sem graça de pedir emprestado pois as ligações são caras e é mais para uma situação de emergência mesmo se o rádio não funcionar, por exemplo. O meu, em alto mar não vai ter sinal. Enfim, poderia tentar ligar na sexta mas depende de vocês conversarem ai. Só me avise.

Mickey Mouse


Orlando, 12 de Janeiro de 2013

Querido Caiçara,

A viagem foi tranquila, dentro do possível. A enorme nevasca que atingue todo o nordeste dos USA e agora o Canada desviaram vários voôs para os estados do sul (como Flórida, Georgia etc...) o que atrasou bastante nosso pouso em Miami, e conexão para Orlando. Mas chegamos...O I. dormiu metade da viagem, e estressou a outra metade. Alias se as condições climáticas continuarem assim terei que mudar minha passagem para Honolulu, pois minha conexão é em Chigado (em baixo de 30 cm de neve agora e aeroporto fechado, tinha esquecido que não se faz conexão no O'Hare no inverno).

Ontem estivemos no Epcot Center (um dos vários parques temáticos da Disney), ele ficou enlouquecido. Olhando tudo, mas depois de um tempo ele cansa e é a hora de voltar para o hotel (ainda bem que estamos num dentro da Disney mesmo). Amanhã vamos no Magic Kingdom, e depois no Typhoon Lagoon (ai estou meio receosa, são várias piscinas, tobogãs...enfim, água para todo lado).

Puxa, que logística viajar com crianças....é muita babagem, muita paciência. Mas, até agora dando relativamente certo. Como meu sobrinho é mais velho os interesses são outros, e ele não dorme mais a tarde então entramos num meio termo. Depois do almoço, volto para o hotel com o I. (alias o berço dele é do Mickey, a coisa mais fofa) e minha irmã continua as atividades com o meu sobrinho no parque. Ponho o I. para dormir e vou bundar na piscina (eles têm um esquema de babá eletrônica que funciona, mesmo na piscina escuto se ele acordar, acredita? Eu amo este país mesmo...). O diferencial destes hotéis da Disney é isso, eles são totalmente voltados paras as crianças, até as refeições para o I. estam de acordo (minha irmã dá hamburger mesmo para o meu sobrinho porque quer, o cardápio deles é super saudável com várias escolhas!). A última vez que por aqui estive nem reparava nisso, nem imaginava ter um filho...

Bom, é isso, sexta embarco para o Hawaii e minha irmã volta para o Brasil. Devo ficar uns dias na casa de uma grande amiga minha em Honolulu e depois vou para Kapoho. O Abert estará nos esperando na Big Island (também não pire, ele até já reatou com a ex/atual mulher dele há anos). É carinho e respeito pelo tempo que vivemos juntos, mais nada do que uma grande amizade (você não consegue entender isso pois todas as suas relações passadas sempre acabaram de uma forma tumultuada, sem você ou a outra pessoa querer voltar a se ver, falta de maturidade, ou sei lá eu o quê...)! Eu já não (sou um pouco mais velha que você também querido), claro que toda separação é dolorida, mas sem mágoas e com o tempo voltamos a sentir consideração por aquela pessoa que um dia amamos/dividimos um espaço e sobra, no final, uma amizade madura, um carinho...e é isso. E lá vamos nós, sair numa pescaria oceânica de uma semana (com Iago e tudo a bordo) até Niikau (não se preocupe, o barco é maravilhoso, 5 cabines, comfortável, lindo), na volta paramos em Kauai por uns dias (quero rever o lugar mais lindo que já visite, e poucos também – só trilha (3 dias) ou por barco – Kalalau beach) e desembarcamos em Hilo, ai fica fácil, 10 km de carro e estamos em Kapoho de volta. Estou contando os dias para sair deste parque de diversões, e mostrar para o I. o que realmente é único! Engraçado que todos meus amigos queridos, sem nem conhecer o I. já planejaram festas, encontros, praia...o que sinto agora é saudades de todos eles, como pude deixar estas pessoas que me amam tanto, e mais já amam meu filho todos estes anos?
Confesso estou ansiosa em deixar a “mainland” (é como os havaianos chamam o resto do USA), e voltar para a minha ilha perdida no meio do Pacífico. Um pedaço meu ficou lá, e sempre estará lá vivendo entre as gentis ondas de Makaha, a lava do Kilauea, a neve no topo do Mauna Kea...sou eu.

Sentimentos, penso em você, penso muito em você mas cada vez menos com preocupação, controle, paranóia....e penso em você com saudade, com carinho, sem delírios, sem muita preocupação (pois o que posso eu fazer do outro lado do mundo, nada!). E curto minha saudade de você. Aos poucos vou apreendendo como simplesmente não me vincular mais aos seus problemas, alias hoje tão distantes, quase inexistêntes (mas eles são seus não meus). Por mais relutante que estivesse, sempre soube que essa viagem seria um divisor de águas...E hoje me vejo do outro lado, deixando o espaço que você precisa para crescer, os caminhos que só você pode escolher, apenas esperando que no final você esteja aonde eu estarei aguardando sua chegada. Enfim, você sabe aonde eu estou e estarei esperando por você.

E durmo tranquila, depois de muitos meses de insonia, e abraço meu pequeno com todo o amor que ele merece (pois também passei tempo demais querendo abraça-lo sem poder deixando de abraçar meu pequeno).

Meu amor por você as vezes parece maior do que eu mesma, mas faça por merecer.

Se você conseguir escrever mande um oi, estarei sempre checando meus emails...
Bejos, Dona Barriga 

quarta-feira, 6 de março de 2013

Encontros e Despedidas


São Paulo, 6 de Janeiro de 2013

Caiçara,

Recebi sua carta hoje, depois de já ter mandado a minha de despedida. Alguma coisa mudou, mas continuo com as malas prontas, estou embarcando sexta feira e devo demorar um tempo a voltar. Não é fuga, é necessidade de deixar o caminho livre....vejo muitas coisas erradas, acho que você merece uma chance melhor em outro lugar com uma abordagem mais holística e individual com uma equipe médica multidisciplinar, terapia familiar....ou seja mais ferramentas que contribuem no tratamento. Vou ser bem simplória no meu exemplo: imagine que você enfarte e seja atendido no pronto socorro de Peruibe, ou você enfarte e seja atendido no pronto socorro do Sírio Libanes...aonde você tera mais chance de sobreviver?! No Sírio óbvio! Mas, por outro lado, se for a sua hora tanto faz o PS de Peruibe ou do Sírio...você vai igual. Enfim, chega de debater, já tomei a decisão. Eu não estou abandonando você, muito pelo contrário, eu simplesmente cansei de argumentar com a clínica, enquanto você estiver ai eu não participarei de nada (eles já não me deixam mesmo...eu só vou parar de insistir e criar expectativas, porque no final quem sai machucada sou eu). Por mim eu teria tranferido você á meses. Resumindo eu, não considero esta clínica a mais adequada. (alias é como se, ao invés do I. estar numa escola particular ele estivesse estudando no EMEI do Kalil....uhhhhhh, você até passa de ano mas apreendeu alguma coisa para ser alguém bem sucedido na vida?).

Bom, quando você receber esta carta já estarei a milhas daqui. Amo muito você, mas enquanto as coisas forem assim eu continuarei a milhas e milhas de distância, se você decidir ser tranferido eu volto em três segundos...senão, que seja, e o tempo dirá. Desculpe se parece chantagem mas é assim. Sempre estarei pedindo pela sua serenidade, e terei você nos meus pensamentos mais queridos...e realmente esperando sua recuperação sincera, honesta. Mas vou tomar sol em Ala Moana, ver o por do sol em Kaimana e relembrar o quanto é bom viver. Preciso voltar a ser eu novamente, fazer as pazes comigo (claro que não precisaria ir tão longe para isso mas também quero viajar, sempre fui meio nômade, não moro muito tempo no mesmo lugar – quem sabe agora com o I. eu ache um lugar definitivo no futuro, nosso lar talvez – mas o mundo é grande e ainda tem uma boa parte dele que não conheço).

Agora vou embora, deixando um pedaço meu aqui mas com vontade de voltar em breve. Enquanto isso vou viver um pouco, esquecer toda essa problemática envolvendo dependência química, longe de clínicas, teses de psiquiatria, conversas com psicólogos, grupos de apoio...nada disso, só problemas mundanos, tranquilos! Simplesmente tirar esse peso enorme das minhas costas, e voltar a ter uma vida normalzinha, babaquinha...tudo inha...

Engraçado, achei que estaria me descabelando mas não. Ao contrário, estou ansiosa sim, mas em rever meus amigos, meus lugares favoritos, meu passado e com um adicional o I.! Nunca imaginei que voltaria para o Hawaii com um filho na bagagem! Nossa vida realmente é única.

Nesta bagagem também levo apenas as coisas boas, nossas melhores lembranças, o que fomos (e somos) juntos, muito carinho, muita saudade e muita esperança que teremos outros dias. Então viajo com o essencial, meu pequeno, minhas queridas lembranças , minha escova de dente, meu biquini e meu amor por você. Não fique triste, como você mesmo disse na sua carta, são 5 meses que podem mudar a sua vida, então utiliza esse tempo para crescer e se tornar uma pessoa melhor. E lembro de uma música do Milton que expressa este momeno:


Encontros e Despedidas
(Milton Nascimentos)

Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar quando quero

Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar

E assim chegar e partir
São só dois lados da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro é também despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar


É a vida com suas indas e vindas! E assim nos encontramos e nos despedimos...

E assim me despeço, desejando o seu melhor sempre (eu nem sempre pude dar o meu melhor).
Sempre vou te amar, até o (re)encontro!
E parto tranquila pois sei que a chegada é o outro lado da viagem! Te amo.

Dona Barriga

Cheguei no meu limite!!!


São Paulo, 5 de Fevereiro de 2013

Esse é o dia que cheguei no meu limite, com a clínica e suas desculpas e justificativas (toda vez que confronto cientificamente o tratamento ninguém tem nenhuma resposta racional, é só o velho discurso “é assim” e funciona, funciona para quem? Os 5% que ficam limpos depois de 2 anos?). Também cheguei no meu limite com a maluca da sua irmã gritando comigo no telefone (alias ela acha que eu sou culpada por você ser drogado, pior sou o satanãs...é isso que recebo mesmo por tentar ajudar; que ótimo; como sou uma pessoa mais educada do que uma infeliz nem formada no colegial não mandei ela tomar no cú só desliguei na cara dela, mas você pode fazer isso por mim...esqueça, o I. não põe mas os pés naquela casa, to cansada de gente louca fanática perto do meu filho – só sinto pela sua mãe, alias tinha ligado para saber dela mas sua irmã não deixou eu falar com sua mãe). Cheguei no meu limite com você também que simplesmente aceita tudo como se fosse uma mosca morta (é lavagem cerebral?)....não é você. Alias, quem é você? Eu não sei.

Deu, estou indo embora, resolvi mudar minha passagem, vou ficar um tempo a mais...Depois da Disney vou para o Hawaii, rever meus amigos (que estam ansiosos para conhecer o I.), voltar para minha casinha em Kapoho, (meio abandonada), nadar com as tartarugas, pescar uns marlins de 300 kg, ensinar meu filho a dançar hula, comer um poke bem fresquinho, chegar em Kalapana numa noite de lua cheia e ver a lava do Kilauea brilhar, subir ao topo no Mauna Kea e pisar na neve, dormir em Kalaupapa sendo acordada pelo canto das baleias, sentir o cheiro das plumérias no jardim, simplesmente dizer Mahalo enfim...voltar para casa. Estou indo dar um tempo, bom tempo. Quem sabe quando você sair eu esteja de volta.

Isso é irrelevante neste momento, o que mais importa é que eu finalmente tomei uma decisão! Claro que não consegui falar com você mais uma vez, então tal decisão é unilateral...agradeça a sua clínica. Finalmente eu decidi (gostaria que tal decisão fosse tomada em conjunto mas como sua contribuição foi vetada fiquei sem escolha, e eu escolhi então). Desejo o melhor na sua recuperação, me procure (ou não) quando sua ficha do NA for bem preta. Meu advogado deve entrar em contato com você antes de você conseguir trocar sua filha por uma preta...

As coisas acontecem por uma razão, mas também precisamos tomar as rédeas da situação e eu tomei. Já te amei muitol, contra tudo e todos, briguei com o meu mundo, queimei meus navios...você foi a minha vida, meu amor mais único e valioso, mas hoje não tenho mais forças para lutar sozinha então, para variar, é isso. Cansei, como você bem colocou. E não é porque cansei de lutar por você, cansei de lutar com o resto do mundo por você, a clínica, sua família, minha família (nem tanto, eles não interferem)...que coisa, todos nós deveríamos estar unidos mas é exatamente o contrário que aconteceu. Mas não vou mais me desgastar brigando com o resto do mundo, então saio de cena, deixou vocês sem olhar para trás. E assim, finalmente, espero alcancar minha serenidade, minha coragem para mudar e mais, a sabedoria que me diz esse é o momento de deixar o caminho livre para que você possa caminhar sozinho! Sinto muito pois nossa estória poderia ter sido escrita de outra forma, mas escrevi o meu melhor. E assim me despeço da pessoa que amo, mas que não precisa de mim agora (de acordo com a clínica, eu só interfiro e complico).

Embarco nesta sexta, então, de acordo com as regras da sua clínica não vou poder me despedir...ligações só no sábado lembra né? Então me despeço assim...como posso. Dói me despedir assim, as coisas poderiam ter sido diferentes...

Até um dia, outro dia.. Difícil dizer adeus mas hoje, e não é só por hoje, é adeus...

Beijos, Dona Barriga

Que M. de clínica é essa?


Sem lugar, sem tempo

Não sei nem para quem escrevo essa carta, provavelmente para mim mesma. Preciso me escutar, colocar os sentimentos em ordem, entender melhor o que aconteceu e, o mais importante, o que eu realmente quero para a minha vida. O que me faz feliz? Quais são minhas prioridades...O dia a dia simplesmente vai nos levando e esquecemos o mais básico, sou feliz? É isso que quero para a minha vida? As vezes por medo da mudança continuamos no mesmo lugar. Engraçado, quando eu era mais jovem não tinha medo de nada e fiz grandes mudanças na minha vida...mudei de cidade, mudei de pais, mudei de marido...com o tempo vamos nos acomodando, criamos um medo do novo, do desconhecido...e lá ficamos, tranquilos e imutáveis. Até o dia que uma bomba cai em nosso refúgio confortável e somos, literalmente obrigados a nos mudar.

É mais ou menos assim que me sinto, ainda apegada aos escombros mas obrigada a procurar uma nova moradia pois essa é inabitável. Uma mescla de vontade de recomeçar do zero e medo do desconhecido...Contradiçoes do ser humano.

Depois da nossa conversa no telefone cheguei a conclusão que estou muito longe do lugar aonde quero estar, quando sinto um entendimento entre nós tudo desmorona! Provavelmente porque os alicerces não estam solidificados, senão não desmoronava...a pressa foi tanta que esquecemos que o terreno era arenoso.

Conversei com minha madrinha a respeito das minhas restrições com a clínica, ela foi sincera...realmente existem alguns fatos concretos que me dão direito de ficar com o pé atrás (e existem outras clínicas com uma abordagem mais holística), mas minha necessidade de controlar também aparece em algumas situações. Qual a solução? Ela sabiamente disse, transfira ele e ponto final ou aceite e não interfira mais, o que não dá para fazer é continuar neste comportamento. Lave as suas mãos ou tome as rédeas da situação, mas decida e volte a dormir, não tem meio termo (suas palavras). Acho que estava precisando escutar o que eu já sabia! Mas como respeitar sua decisão de ficar e lavar minhas mãos... a clínica que você escolheu não ofereceu um programa de terapia familiar semanal (como as outras, nem mensal alias terapia familiar nenhuma!), não individualiza o tratamento de cada paciente, não inclui a família no processo de recuperação de uma forma efetiva (alias restriguem o contato e vínculo)...e depois simplesmente, te dão um diploma e desejam boa sorte! Você me conhece, posso citar vários estudos, artigos científicos e por ai vai (só não vou fazer psicologia porque não gosto de gente, prefiro modelagem numérica).

Não resisti: O apoio familiar é vital para a reestruturação do dependente químico; tanto o processo de adoecimento quanto a recuperação interfere na dinâmica familiar e por tal se faz necessário algum tipo de orientação de suporte e apoio; e por fim, os profissionais necessitam de auxílio de familiares na recuperação do dependente. (Abordagem familiar em dependência química, Paya e Figlie, 2009, UNIFESP).

Não resisti de novo:
Kalina e Kovadloff (1988) definem que os elementos centrais das CT são: 1) A CT é um elemento social. Esse sistema social deve facilitar uma aprendizagem que, em si mesmo, é terapêutica; 2) O sistema é uma ordem organizada através das normas de convivência e do enquadramento de tarefas; 3) O enquadramento e a normatividade baseiam-se no conceito da abstinência das drogas, enquanto se realiza o aprendizado; 4) O trabalho concreto na instituição é a base da disciplina institucional e de uma educação na co-responsabilidade; 5) A CT tem hierarquias de acordo com as conquistas que cada residente tenha feito e no conhecimento de si mesmo, no trabalho sobre os outros e nas lideranças positivas que possa ir progressivamente assumindo; 6) As mudanças na instituição se concretizam através da mobilidade social, que implica a transmissão de tarefas e de responsabilidades crescentes na CT hierárquica; 7) A CT é uma sistemática de grupo, onde cada um dos grupos responde a diferentes necessidades dos residentes. Alguns seguem os alinhamentos típicos dos grupos terapêuticos. Outros terão como função atacar os comportamentos negativos para a sobrevivência do grupo e procurarão reforçar as conquistas positivas e a estrutura grupal; 8) A família está continuamente envolvida, de modo geral, em três níveis: participando da reunião semanal de terapia e da reunião mensal multifamiliar e, quando bons níveis de recuperação são alcançados, ajudando em projetos preventivos ou integrando a associação de pais, com a finalidade de trabalhar socialmente no tema da toxicomania e 9) A CT fracassará em seus propósitos se o residente não for reconhecido em sua singularidade não apenas por meio de um ato terapêutico individual, mas fundamentalmente através de uma escuta institucional de sua história de vida.
Porém, essa metodologia de tratamento para a dependência de substâncias psicoativas ainda requer diversos estudos para averiguar se o "isolamento" do mundo em que havia o convívio com a droga não pode ocasionar, no momento de saída da CT, uma recaída devida à desadaptação social, já que a abstinência ocorreu em um ambiente de privação tanto da substância quanto do grupo social.

Bom, poderia escrever paginas e mais páginas sobre este assunto mas acho que já deixei bem claro os meus argumentos. Os três pontos que venho batendo à tempo: a individualidade e necessidade de cada um baseado em seu histórico de vida e familiar (não dá para colocar todo mundo na mesma caixa), a falta de participação efetiva da família no tratamento, e o isolamento com apenas uma resso antes de sair (não um processo gradual de readaptação social). Enfim, não estou aqui escrevendo nenhuma tese, apenas fundamentando meus questionamentos.

Isso não é co-dependencia, é fato, realidade! Sua clínica não apresenta um programa estruturado no qual os familiares sejam incluídos no processo, a única coisa que eles fazem é sugerir que você frequente os grupos (AE, NarAnon...), ótimo, conseguia fazer isso por mim mesma sem a sugestão deles! E que venha nas visitas mensais com um sorriso na cara e boa vontade. E a terapia familiar? Como trabalhar a dinâmica familiar se não há espaço? Desculpe, para mim não esta funcionando MESMO! Me sinto excluida, fazendo todo o esforço que faço. Vocês (você e sua clínica) sabem o que estam fazendo...ótimo, me deixem em paz então e não me cobrem nada depois. Sem o nosso amor e apoio, nenhum dependente químico em recuperação sobrevive limpo por muito tempo...mas o meu amor por você não conta neste momento, não conseguimos reatar nossos laços de carinho e compreensão, não podemos nos comunicar, não podemos nada...então que seja!

Não vou mais ficar me debatendo, muito menos nadando contra a corrente senão me afogo.
Beijo, Dona Barriga

O passado bate a porta


São Paulo, 30 de Janeiro de 2013

Querido Caiçara,

Dormi muito mal a noite passada, tive vários pesadelos horríveis. Sonhei que eu estava num avião que explodia em pleno ar, acordei assutada coberta de suor...parecia tão real. Demorei um tempão para dormir novamente, depois sonhei que o I. sumia do seu berço! Saia correndo desesperada pela casa escutando o choro dele e não o encontrava em lugar nenhum...simplesmente horrível. Imagina como estou hoje depois desta noite “maravilhosa”, me arrastando (ainda bem que não tenho nenhum compromisso importante). Que noite de cão! Mas tudo bem, nada como um dia depois do outro.

Estou meio pensativa hoje, querendo ficar no meu canto sem muita conversa com ninguém. Sem querer também, uma série de lembranças muito ruins das coisas que você fez para nós surgiram, como se o passado materizaliza-se no meu presente e toda aquela dor voltasse. As noites de angústia, a raiva por você simplesmente sumir, me roubar, se desfazer das minhas coisas materias, do abandono, das mentiras...e depois aparecer com a cara mais deslavada da face da terra, comer, dormir como se nada tivesse acontecido. Meu Deus, voltou tudo como um tsunami!

Acho que não estou tão bem resolvida assim...alias, longe disso! Sem querer essas cenas aparecem na minha cabeça como se fosse um filme, um pesadelo. Será que algum dia eu vou conseguir fazer as pazes com este passado? O pior é que sofro por coisas que não causei...você causou. Mas, como dizemos no NarAnon: a dor é inevitável, o sofrimento opcional. Não vou mais sofrer. A dor que você me causou é irremediável, mas a opção de ficar sofrendo ou não por causa dela é minha. Então digo em alto e bom tom foda-se. Eu tenho mais o que fazer da minha vida do que ficar sofrendo pela dor que você me causou! Você que se responsabilize por ela e sofra você.

Desculpe, estou muito abalada. Esse submundo todo...Até liguei para a Cida, querendo saber de você também mas, para variar você esta bem, para variar eu nunca consigo falar com você quando preciso, e para variar eu que me vire e segure a onda sozinha. Tá certo, eu mereço mesmo, afinal de contas, para variar, a culpa é minha por continuar insistindo em me relacionar com você.

Então, para variar, é isso. Enquanto você esta ai blindado, com o apoio que você precisa, eu estou aqui de peito aberto sem o apoio de ninguém (só o gupo mesmo e o novo psicanalista, mas vai demorar um bom tempo) tendo que vivenciar essa realidade horrorosa que não é minha. Honestamente, talvez eu siga o que você me pediu na carta que escreveu.

Espero que você esteja bem (de acordo com a clínica você esta sempre bem então continue assim e depois me mande a receita porque eu não estou, quem sabe eu me interno também! Mas ai quem vai cuidar do I. ne'? Pagar as contas, e por ai vai...O Poder Superior não vai ser...).

Beijos,
Dona Barriga

P.S: Estava fazendo as contas, sabe quantas cartas já escrevi para você nestes últimos 2 meses? Eu sei (meu computador sabe), umas 15. Sabe quantas você me escreveu? Miseras 3! Chega, cansei de ficar só doando...e não receber nada em troca.

A realidade "mundo cão"


São Paulo, 29 de Janeiro de 2013

Querido Caiçara,

Acabei de voltar da sala e estou simplesmente devastada em qualquer emoção que possa ter. Anestesiada, chocada, paralisada...Não sei se você lembra de uma companheira, comentei dela, professora da USP mais ou menos a minha idade, sempre muito bem arrumada cujo filho tinha saído de 9 meses internado numa clínica muito renomada (e cara no interior) e tinha recaido. Fazia um bom tempo que ela não frequentava a sala e hoje ela estava lá, irreconhecível, destruida, muito sedada...o corpo do filho dela de 21 anos foi encontrado boiando num corrego da periferia na véspera do Natal com três tiros. Ela ganhou, hoje a droga ganhou, fez mais uma vítima, destruiu mais uma familia. E eu fiquei com tanto ódio, tanta raiva vendo as lágrimas escorrerem pelo rosto desta mãe que enterrou seu filho. Se essa merda de droga tivesse uma cara eu enchia ela de porrada! Mas ela não tem...ela é muito mais sutil.

Lembro bem das suas partilhas, do amor pelo filho, das inúmeras tentativas de ajudá-lo (a última internação foi involuntária mesmo), de apreender a não ser facilitadora, parar de procurar os porques (típica classe média alta: infância feliz, melhores escolas, viagens, diálogo, carinho) e se culpar pela doença dele. Não há dor maior do que enterrar um filho, ainda mais quando este é assassinado pelo trágico. Desculpe querido, sei que essas coisas acontecem 10 vezes por dia neste pais, mas estou tão revoltada! Quando você le no jornal é uma coisa, quando você vê a realidade nua e crua na sua frente é outra.

Cheguei em casa, me deu uma vontade enorme de abraçar o I., protegê-lo de todo esse SUBmundo...mas posso eu? Meu Deus, ter um filho neste mundo hoje é quase insano. O que fazer? E para complicar, andei lendo alguns artigos que dependência química pode apresentar traços hereditários! Pronto pirei, vou mudar para uma fazenda no meio do outback australiano e criar ovelhas longe do mundo. Não, melhor vou me mudar para Marte (lá não tem drogas MESMO). Caiçara, você estava usando drogas quando eu engravidei? Seja honesto. Na verdade estou pensando muito sobre isso e gostaria de marcar uma batelada de exames para o I., inclusive um mapeamento genético completo. Estou com os nervos a flor da pele.

Termino amanhã, estou muito triste.

Beijos,
Dona Barriga

A matemática de acreditar


São Paulo, 27 de Janeiro de 2013

Oi Caiçara,

Acordei hoje querendo tanto acreditar que podemos ser aquele 1% ! Que tudo vai dar certo, que voltaremos a ser uma família novamente...Infelizmente os números não estam ao nosso favor e eu não acredito mais em conto de fadas à anos. Mas acredito em comprometimento, na capacidade de mudar, crescer e no amor. E que todo esse árduo trabalho será recompensado.

Outro dia lembrei de uma frase: Ignorance is bliss! Difícil a tradução, seria algo como a ignorância é a felicidade absoluta. Na verdade o significado é muito mais profundo, quando somos ignorantes simplesmente não temos o conhecimento da realidade e vivemos num mundinho aonde “achamos” que somos felizes pois não questionamos, não vemos, não pensamos...Uma vez que tiramos a venda e o mundo real se desdobra a nossa frente nosso “mundinho feliz” desmonora, deixa de existir e questionamos. Inclusive nossas verdades, porque você acha que todos essas pessoas fanáticas (religiosas ou sei lá eu mais o que) são tão felizes? E quando são confrontadas sentem-se tão amedrondadas?
Mas o I. acordou, termino meus delírios filosóficos mais tarde...

Também andei pensando sobre a questão da nossa inexistente relação sexual no presente momento. Eu não faço sexo desde novembro (e não diga você também pois essa escolha foi sua), eu não escolhi simplesmente parar minha vida sexual saudável, isso me foi imposto por você e pela clínica que você escolheu ( na visita catastrófica era mais ou menos isso que eu tentei expressar, não de uma forma tão direta quanto agora, eu precisava/preciso me sentir mulher, fazer amor com você, sexo, transar...entendeu agora?). Outro dia depois de ter me masturbado (é o que me resta) fiquei pensando que merda...porque eu tenho que podar algo fisiológico que me faz bem?

Quotando: “Cada vez mais estudos comprovam os benefícios de uma vida sexual saudável para nosso organismo. A atividade sexual é fundamental, ao ponto da Organização Mundial de Saúde apontá-la como um dos sete índices para medir a qualidade de vida”, explica a psicóloga especialista em Sexualidade Humana pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Carolina Miranda do Amaral e Silva. “

Então basicamente, estou diminuindo minha qualidade de vida por causa desta abstinência. Quando tentei argumentar, deu no que deu...Resumindo querido, nós sempre tivemos uma vida sexual boa e nem isso podemos ter mais?! Não acho justo comigo. O seu problema não é compulsividade sexual (que pena...hahahah), então porque eliminar algo que faz bem? Não lembro de você sair correndo em direção a biqueira depois de ter um orgasmo comigo, alias dormiamos muito bem depois. Pior são as contradições, que esse é o momento que tenho que cuidar de mim, da minha vida MAS minha vida sexual FAZ parte da minha vida! Minha vida profissional, minha vida familiar, minha vida sexual...tudo isso faz parte do que é a minha VIDA! Queria ter conversado a respeito disso pessoalmente com você quando estive ai, mas o tempo era curto, outras coisas foram mais relevantes...enfim, só não entre em nenhuma paranóia. Eu quero fazer amor com você, só com você e ninguém mais. Mas sinto muita falta (até fisiologicamente).

As vezes gostaria de ser ignorante....viver com uma venda nos meus olhos, acreditar piamente em qualquer merda e ser feliz, burramente feliz. Mas não tem volta, com o conhecimento surgem os questionamentos, o aprofundamento de ser ou não ser, as escolhas, a busca. O ser humano é muito complexo, prefiro meus modelos numéricos com suas equações diferenciais e suas variáveis parametrizadas, faz mais sentido...continuo não entendendo gente, pois fazemos absolutamente tudo ao contrário da lógica e acabamos sempre nos fudendo (inclusive eu).


E quando já resolvi todas as equações, achei a solução racional para o problema, o I. corre em minha direção com seus bracinhos pedindo colo, Dona N. me abraça tão forte, meu pai me olha com carinho, o sol se põe com todos os tons de vermelho e você me beija novamente como se fosse a primeira vez depois de tantos anos...e minha solução foi pro brejo. Minha humilde conclusão: precisamos uns dos outros, precisamos ser abraçados, beijados, reconhecidos, respeitados, e amados! O ser humano precisa ser amado. Primitivo não? Talvez, nós não tenhamos evoluido tanto assim...Me incluo, pois eu preciso ser amada e amar senão serei a pessoa mais chata, lógica e sem sentido da face da terra. O I., aos poucos vem me ensinando isso...e você, mesmo aos avessos, também!

Alias, não é porque o I. é meu filho, mas ele é uma criança muito cativante e comunicativa. Outro dia estavamos no trânsito e ele dando risada, quando vi ele estava brincando com o motorista do ônibus pela janela...pode? Também ficou pulando de colo em colo quando estive na Dona N., as meninas até disputaram ele! Ah, acho que esqueci de comentar que a Mria esta trabalhando na cozinha do quiosque.

Bom meu amor, uma noite de domingo tranquila, I. dorme, eu tentando ficar acordada (não são nem 10 da noite) mas sem muito sucesso. Penso em você com carinho, com saudades e desejando muita serenidade, coragem e sabedoria. Três coisas tão simples, mais que nos trazem tanta força. O dia vai chegar, e oraremos juntos a mais simples e sábia oração da serenidade...E deito na minha cama junto com o Mr. Sebastian (alias ele é um caranguejo laranja muito interessante!) querendo tanto que você se materializa-se aqui, do meu lado...estou tão cansada, tão carente. Será que o conto infantil no qual a princesa beija o sapo e ele vira um príncipe aplica-se a caranguejos de pelúcia também?

Uma ótima semana para você.

Beijos,
Dona Barriga