quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Seu (sub)mundo me assusta


Peruíbe/São Paulo 14 de Janeiro de 2013

Caiçara,

A outra carta que você acabou de ler foi escrita antes da visita (olhe a data), e parece até que eu já sabia o que iria acontecer mesmo não tendo bola de cristal! Infelizmente, mais uma vez, acabo saindo da visita pior do que quando cheguei...e desta vez nem me despedi de você. Naquele momento eu estava me sentindo tão sufocada que a única coisa que consegui fazer foi simplesmente pegar o carro e ir embora em busca do mundo “normal” aonde eu me sinto confortável. Para mim tudo isso, dependência química, codependência, clínicas terapéuticas, NA, Nar Anon, AE e sei lá eu mais o que é muito alienígena; não faz parte do meu mundinho no qual as pessoas tem problemas, sim, mas elas administram, trabalham, acordam cedo, levam os filhos para a escola, tomam uma cervejinha no final do dia, passeiam com o cachorro, viajam no final de semana, saem para jantar...enfim, o básico. De repente me vejo encarando este outro mundo que não faz o mínimo sentindo, e acabo reagindo com estranheza, repúdio e, claro, meu velho e bom sarcasmo. Podem ser mecanismos de defesa, mas no fundo eu não quero o meu mundinho invadido por esta realidade tão doída...e ai realmente esta o problema!

Além da nossa relação estar muito desgastada...uma mulher só abraça a causa e fica ao lado do seu companheiro dependente químico por um único sentimento, amor (ou burrice mesmo...to brincando!). Porque é apenas o amor que segura o peso, que soma as diferenças, que perdoa.

Então meu querido, eu preciso deste tempo e buscar esse amor dentro de mim, a muito tempo atrás este amor estava evidente, a flor da pele mas, aos poucos ele foi sendo soterrado pelos desastres da vida...talvez ele ainda esteja lá, embaixo dos escombros. Requer tempo para resgatá-lo.

Por favor entenda, eu preciso deste tempo. Não irei mais visitá-lo por enquanto, é muito sofrido para mim, estarei acompanhando seu tratamento a distância. Preciso me desligar e cuidar de mim, não sou de ferro, pelo contrário, estou dilacerada, quebrada em mil caquinhos... começando a juntar os pedaços, um por um, mas vai levar um tempo.

Estou muito confusa, as vezes quero colocar um motor neste barco e fazê-lo andar porque esperar o vento sobrar as velas demora muito, outras quero pegar o bote salva vidas e pular fora antes que ele afunde...Nosso barco esta a deriva querido. O melhor a fazer é cada um apreender a velejar o seu próprio barquinho agora. Quem sabe, se nenhum dos dois afundar, estaremos prontos para um barco maior no futuro, aonde caiba nós três.

Uma vez você disse que eu sou pessimista, na verdade mais realista que pessimista...porém confesso que estou “descrente” digamos assim. Um exemplo disso são alguns blogs de companheiras de dependentes químicos que acompanho. Quando elas postam coisas do tipo: meu marido terminou seu tratamento, e ele esta ótimo vamos começar uma nova vida que felicidade...eu conto o tempo até a próxima postagem: meu marido esta na ativa denovo, estou acabada e blablabla. Geralmente não dá dois meses. É meu amigo, a realidade é cruel. A maioria das estórias terminam “ele esta internado mais uma vez ou ele não é mais meu marido”. Porém as vezes, raríssimas vezes, fico contando o tempo esperando a clássica postagem “meu marido recaiu” e nada, 6 meses e nada, 1 ano (eu penso comigo, agora ele vai recair) e nada, 2 anos (bom disso não passa, é agora) e nada...5 anos (poxa, será que ele não recai mais?) e nada, 10 anos depois e “meu marido continua limpo”!!! E uma pequena luz no fim do tunel se ascende, e quero tanto acreditar que nós podemos também ter isso se soubermos trabalhar as ferramentas, se realmente criarmos uma rede de apoio, e acima de tudo, muito amor e sinceridade. Caiçara, desde que nos conhecemos você nunca foi totalmente sincero comigo.

Acredito que as coisas escalaram, e você chegou no seu fundo do poço também por essa falta de confiança no sentimento que tinhamos um pelo outro, por medo de eu virar as costas e sair andando se você fosse honesto... enfim, toda uma dinâmica baseada na sua falta de sinceridade comigo. Não que eu pudesse “resolver” mas nós poderíamos ter nos apoiado mais, em momentos de crise, nas dificuldades...Lembro que inúmeras vezes perguntava a você como as coisas estavam e você acabava desconversando, o tempo foi passando, você me manipulando, eu preocupada com outras coisas, parei de ficar insistindo e no final...olha o final! Você também sempre se aproveitando do fato de eu ser a pessoa mais desligada da face da terra, só fui enxergar a gravidade disso tudo quando a merda bateu no ventilador mesmo e caiu na minha cara!

Bom querido, espero que tenha entendi o que escrevi e respeite o meu tempo. Farei o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo, porém temos um lema muito simples no Nar Anon, primeiro as primeiras coisas. É bem isso, não dá para vestir a calça e depois a calcinha...não dá para colocar o bolo no forno e depois adicionar o fermento. Primeiro as primeiras coisas...

Espero que você esteja bem dentro do possível e da próxima vez que nos encontrarmos seja em outras circunstâncias menos sofridas.

Beijos,
Dona Barriga

Eu não quero mais andar de montanha russa!


São Paulo, 10 de Janeiro de 2013

Caiçara querido,

Não sei mais o que fazer, talvez o melhor a fazer é simplesmente deixar você tomar suas próprias decisões sozinho. Emocionalmente me desligar de você e essa montanha russa de sentimentos, puxa...tudo muda a cada três segundos. Para mim não esta sendo viável viver nesta gangorra, estou me desgastando muito.

Durmo mal, perco a concentração, fico irritada com as pessoas. Isso não esta sendo produtivo para mim, preciso apreender a me desligar de você...não me preocupar mais, não me colocar no meio do caminho, deixar de controlar (o que não tenho controle) e seja o que Deus quiser. Se você quiser completar seu tratamento ótimo, se você quiser pular o muro e sair correndo...não tão ótimo, mas que seja, problema seu! A partir de hoje eu não vou mais me responsabilizar pelos seus problemas, já bastam os meus que são suficientes.

Depois de muito tempo voltei a tomar remédios para dormir, estou procurando um novo psiquiatra e começar, mais uma vez, uma terapia na tentativa de me ajudar. As pessoas que convivem comigo e gostam de mim perceberam essa mudança de comportamento, o quanto irritada, intolerante e triste eu estou ultimamente. Principalmente minha família, e apoiaram minha decisão de retomar a psicanálise (meu pai não muito, ele acha que se você sumir da face da terra as coisas se resolvem, e com o dinheiro que vamos gastar eu passo uma semana tomando sol no nordeste todo mês ao longo deste ano ao invés de ficar deitada num divã, melhor ficar deitada na praia tomando sol). No mundo lógico e racional do meu pai, talvez ele tenha razão, você não me faz bem.

Ontem na sala foi doído mas encorajador escutar o retorno que tive das minhas companheiras, e a realidade nua e crua é essa, eu me permiti ficar amarrada neste caos e só cabe a mim desatar os nós e me libertar! Porque a vida é muito maior do que tudo isso! Porque eu mereço ser feliz! Porque eu posso escolher!

Faça suas escolhas...as minhas eu já fiz.

Claro que ainda estou machucada, mas não estou mais com raiva, também não tenho pena (como tinha antes) muito menos culpa. Nunca me senti culpada por nada, talvez facilitei pois simplesmente não enxergava o óbvio...mas culpa não. Continuo estacionada no primeiro passo, entregar ao poder superior ainda não, alias do jeito que eu me conheço provavelmente nunca. Eu não acredito que o poder superior vá resolver nada, esta energia esta entre nós para nos dar força não tomar as rédeas das nossas vidas.

Outro dia estava dirigindo super atrasada, tentando chegar numa reunião aonde eu faria uma apresentação sobre gestão ambiental e responsabilidade empresarial quando do nada surge o passado...tão distante, uma música no rádio, remetendo-me à alguns anos atrás quando nos conhecemos e tudo era tão descompromissado, tão leve, tão o momento...sem delírios, sem muitos planos e senti falta disso. Simplesmente estar, ser...amar. Let me take you far away, you will like a holiday! Mas não temos como voltar no passado e resgatar este momento perdido, o tempo passou...muita coisa se perdeu, algumas se acharam (só ainda não fechei o balanço de perdas e ganhos). Aonde tropeçamos? Deixando escorrer entre nosso dedos...o que tinhamos de melhor.
Nós éramos tão apaixonados um pelo outro! Confesso, até meio malucos um pelo outro, quantas vez simplesmente desci a serra, do nada, só para te ver feliz da vida! E hoje...cada vez que desço a serra é com um aperto no coração, cada placa de retorno é um martírio, uma vontade de fazer meia volta a simplesmente subir a serra. O que somos juntos? Eu não sei.

Sozinha, eu sei quem eu sou: eu sou mãe, profissional, amiga, filha/irmã ...mas o que somos juntos, eu não sei. Não tenho dúvidas do amor que senti por você, mas aonde esse amor esta agora? Honestamente, não sei.

Não é uma despedida...é um até breve, quando soubermos quem queremos ser juntos. E você não conseguirá responder isso antes de enfrentar seus demônios, trabalhar seus passos e aceitar quem você é. Tudo tem um tempo, e pode ser longo........Estarei do seu lado dentro das minhas limitações, pois também sou uma pessoa que chora, ri, ama e sofre. E o mundo aqui fora continua! Eu também preciso deste tempo, para trabalhar melhor a pessoa que eu sou, como mencionei antes começarei uma psicanálise, que nunca é fácil.

Para que esse processo realmente traga frutos (para nós dois), preciso me afastar...decidi que só vou vê-lo no dia que você sair para a sua resso. Esse tempo nos dirá aonde realmente estamos nesta caminhada. Terei imenso prazer em receber as cartas que você escrever, também escreverei mantendo você informado sobre nós quando puder.

Não se preocupe com o I., você sabe muito bem que ele não poderia estar em melhor lugar (alias estamos de viagem marcada para a Disney, ele vai amar o Mickey!) Faremos o roteiro básico, Disney, Universal...10 dias estamos de volta. Sei o que você esta pensando agora, eu só estou indo passar as férias com o I., minha irmã e o meu sobrinho na Disney! Só isso! Não estou fugindo.

Entenda o que estou dizendo, não é abandono! Ao contrário, precisamos deste momento para entendermos quem somos, o que queremos juntos, quais são nossos valores, o que pode ser resgatado e o que, infelimente, se perdeu. Porém, o mais importante, o que estamos dispostos a constuir no futuro!

Dói querido, mas não temos escolha. Ou é isso, ou vamos acabar cometendo os mesmos erros de ontem...No dia da sua saída para a ressociabilização, em março/abril estarei no portão esperando você! Fique bem meu amor...e até breve!

Pense.
Beijos, Dona Barriga

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O poeta


São Paulo, 6 de Janeiro de 2013

Querido Caiçara,

Nada como um dia depois do outro, hoje estou mais tranquila (talvez porque você também esteja mais tranquilo, desejo realmente que seja isso)! Passei essa preguiçosa manhã de domingo com o I. brincando no parquinho, depois fomos almoçar no Tribunal (lembra, nós já almoçamos lá juntos)...estudei um pouco a tarde enquanto ele dormia e agora escrevo essa cartinha para você na esperança que a calmaria tenha chego depois da tempestade dos últimos dias.

Mas ainda continuo querendo muito falar com você, escutar sua voz. Esse isolamento eu, honestamente, ainda não entendo qual o valor terapéutico. Bom, quem sou eu para questionar.

O I. esta  apreendendo tudo muito rápido, é impressionante como ele cresce a cada dia. E eu vejo ele todo santo dia e percebo as diferenças! Agora ele tem seus brinquedinhos favoritos, principalmente quebra-cabeças, coisas para encaixar e livrinhos coloridos, de pano etc...Também já entende alguns pedidos do tipo: pega o seu livrinho e trás para a mamãe, ou cadê a sua bola. Ah, ele adora bolas, de baskete, de futebol, de ping-pong qualquer coisa que seja redonda e role no chão ele se anima. É a fase esponja, absorve tudo a sua volta!

Já que estamos no momento poético, essa é uma das minhas favoritas:

Soneto do Amor Total (Vinícuos de Moraes)

Amo-te tanto, meu amor...não cante
O humano coração com mais verdade...
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade

Amo-te afim, de um calmo amor prestante,
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente.
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permamente.

E de amar assim muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.


E assim, me despeço...amando você.
Beijos,
Dona Barriga 

Sexto sentido


São Paulo, 5 de Janeiro de 2013

Oi meu amor,

Pronto, esta confirmado...acabei de falar com você no telefone e agora tenho a absoluta certeza que você não esta bem! Infelizmente quando senti que você iria partilhar comigo o que esta acontecendo nosso tempo acabou (sei que as regras são as regras mas às vezes as pessoas podiam ter um pouco mais de sensibilidade, afinal de contas não estavamos jogando conversa fora sobre o último filme do 007, né? E sim compartilhando algo importante para o seu tratamento. Alias essa é a razão de você estar ai, se tratar e qualquer coisa que contribua para isso deveria ser abraçada e não podada. Não tenho dúvidas que deve ter sido um dos monitores que eu tive um chilique no telefone no passado, agora retribuindo, não sendo flexível nem 30 segundos. É meu querido, gente é gente! Trabalhando os 12 passos ou não...).

Enfim, desliguei muito preocupada, principalmente porque não consegui falar com você num momento que senti o quanto você estava precisando...Todos estes dias, com essa sensação que algo estava fora do lugar, não era maluquice minha. Preciso apreender a confiar mais nos meus instintos e nesta ligação que temos.

Como não sei exatamente o que esta acontecendo fica difícil, mas , vou seguir minha intuição. Você esta chegando num momento muito crítico do seu tratamento, um divisor de águas...Lentamente, você esta tomando consciência das coisas que fez no passado, as mágoas, as dores e tudo isso é muito sofrido! Pois até então você não tinha esta clareza, não tinha se olhado no espelho realmente. Encarar de frente, despido da droga, totalmente nú; sem estar amortecido, você se vê no espelho e não gosta do que vê. Você não gosta daquela pessoa que tanta dor causou, tantas mentiras disse, tantas vezes manipulou, tantas noites e dias sumiu esquecendo as pessoas que mais amava...Claro, quem é que vai gostar de alguém assim? Mas esse foi você. É um processo de aceitação, esse reflexo no espelho é você...Apreenda com esse você a se perdoar, ficar se martirizando não ajuda. Se as outras pessoas conseguirem perdoar esse você não é relevante neste momento, quem tem que se perdoar é você! Quem tem que voltar a se amar e olhar no espelho essa pessoa e gostar dela é você!
Quando isso acontecer, asseguro a você tudo muda...as pessoas vão sentir isso, e o perdão que você tanto almeja dos que você magoou acontecerá naturalmente. Eu só posso mudar a mim mesmo, aos outros só posso amar...é exatamente isso! E quando nós mudamos desencadeamos uma reação nas outras pessoas. Essa mudança é gradual, como você mesmo me disse, vivendo um dia de cada vez sem ultrapassar nenhum.

Abri meu livrinho em busca de uma sabedoria que ainda não tenho para poder ajudá-lo neste momento, e encontrei: “Precisamos aceitar que os desapontamentos são finitos, mas nunca podemos perder a infinita esperança (Martin Luther King Jr.)”.

Não ajudou muito né? Nem para mim, nada esta ajudando hoje...a única coisa que ajudaria é poder estar com você, compartilhar nossos sentimentos e dormir abraçadinhos. Andei pensando, tentando dissecar minha codependencia e minhas necessidades reais, cheguei a conclusão que preciso de um micro tempo com você, só nós dois...uma noite que seja. Quero me sentir sua mulher novamente, dividir meus sentimentos, ter cumplicidade, amor...nós dois apenas, sem regras, sem muralhas: homem e mulher. Às vezes acho que nem sei mais como ser mulher...Fiquei tão sem escolhas que esqueci o que é “fazer amor”. Não sei mais o que é a pessoa que eu amo me abraçando, me levando aquele lugar que é só nosso, dentro de mim, dentro de você...aonde nos unimos, num só amor. Aonde não existe tempo, apenas o nosso tempo.

Não é carência, não é codependência, não é doença...é simplesmente eu, querendo ser sua mulher! Preciso parar de analisar absolutamente tudo a todo instante (por isso não sei se quero voltar a psicanálise, é só o que fazemos 24 horas analisando tudo!) Sinto falta de SER sua mulher! Sentir ser sua mulher...Simplesmente sentir. Estou exausta de analisar demais, passei anos neste processo e esqueci de viver, só analizando a vida que eu não tinha (porque eu estava mais preocupada em analizar a vida que eu não tinha ao invés de viver). Conheço os melhores psicanalistas deste país, grande parte deles são amigos dos meus pais, tenho as portas sempre abertas...mas hoje eu quero viver, sofrer, amar, sentir....e não analisar nada! Também não quero amortecer, amenizar, esquecer mais...

E hoje, por pior que seja as dificuldades, agradeço todo dia pela nova chance que me foi dada. Você diz que sou cética porque não me escuta agradecendo a Deus a cada dia que me foi dado depois. Agradecendo por ter encontrado você, o amor da miha vida, e este filho lindo! O I. veio, tardiamente na minha vida (pois achei não seria mais mãe) para fechar um ciclo, unir as pessoas e iluminar nossos caminhos! Nosso filho veio para nos ajudar, não nos a ele! Um ser evoluido...espírito de luz (como dizem).

Então meu amor, pela primeira vez falei de coisas muito complicadas que aconteceram na minha vida, fazem parte de quem eu sou mas apreendi com elas e hoje estou aqui, amando, sofrendo...mas acima de tudo vivendo! E obrigada por este filho lindo, nosso filho, que veio para me ensinar o que realmente importa neste mundo! Espero poder ter lhe ajudado de alguma forma.

Beijos sua sempre, Dona Barriga

Mais paranóia?


São Paulo, 3 de Janeiro de 2013

Oi Caiçaral,

Acordei e essa sensação estranha continua, como se estivesse algo errado. A babá do I. chegou cedo, estudei a legislação ambiental mais chata que conheço, PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e depois me dei de presente os ciclos biogeoquímicos (ai sim!)...No final da manhã estive na empresa numa reunião burocrática chatíssima, acabei almoçando por lá com alguns velhos amigos de trabalho. Aproveitei e fui fazer umas comprinhas para o I..

Mas mesmo assim, ocupada quase o dia todo essa sensação estranha me acompanhou. No final da tarde não segurei mais e acabei ligando na clínica e falei com a Cida. Ela me tranquilizou dizendo que você estava bem, nada fora do normal...desliguei mais tranquila, mas não sei, essa sensação estranha ainda não passou! Quase pedi para falar com você mas as regras são as regras (talvez a Cida até deixasse mas vou respeitar as regras do jogo). Liguei para a minha madrinha também (não vejo as meninas faz quase duas semanas devido as festividades, já estou com saudades da nossa salinha) ela tentou me tranquilizar, que ninguém estaria me escondendo nada se realmente algo estivesse acontecendo (apesar de todo o histórico, que não ajuda; mas já pus uma pedra neste assunto, você escolheu ficar ai), que faz parte do processo procurarmos motivos para não nos desligarmos...enfim, toda uma dinâmica codependente. Espero que seja só isso mesmo, porque se for só isso fica fácil para mim administrar. No pouco que sei, chegando os 2 meses de internação, é um momento crítico...

Sai, minha irmã ligou, queria comer uma pizza e estava aqui por perto (nós duas sem filhos, que milagre!)....como o I. já estava dormindo à horas e minha mãe ficou com ele, fomos aqui perto mesmo. Coisa boa, aos poucos vamos nos reconectando. Ela esta de viagem marcada para a Disney mês que vem, perguntou se eu e o I. não gostariamos de acompanhá-los...estou meio balançada, mas ainda acho o I. meio pequeno. Amanhã eu penso...pois voltei do jantar e essa sensação continua aqui, dentro de mim! Puxa, só precisava falar com você um minuto para saber se esta tudo bem ou não! Mas como? Não tem como e vou ficar aqui nesta aflição até quando? Sábado?

Racionalmente esta tudo bem, mas meu coração diz o contrário. Momento complicado, pois por mais que desencane, foque em outras coisas, essa sensação esta aqui dentro, sinalizando algo (que não sei exatamente o que é...mas estou inquieta desde ontem). Será que sou eu ou você?

Beijos,
Dona Barriga

Paranóia?


São Paulo, 2 de Janeiro de 2013

Caiçara meu amor,

Não sei porque hoje algo esta fora do eixo...racionalmente, tudo certissimo. Alias, a babá que a Dona N. recomendou é ótima, foi seu primeiro dia e já conectou com o I., ele gostou muito dela! Foi bem tranquilo mesmo, até almoçar com ela ele almoçou (e bem)! Finalmente depois destes dias todos de “férias”consegui voltar a estudar, já estava ficando ansiosa pois o tempo urge!
Também tive um tempinho, corri no correio e enviei as cartas que escrevi via sedex mesmo, pois quero que você as receba logo...Enfim, um dia normal mas algo aqui dentro não esta me dizendo isso.

Quase liguei na clínica, mas não quero fazer o papel da maluca co-dependente...queria tanto poder falar com você três segundos só para escutar a sua voz e ter certeza que você esta bem. Algo aqui dentro me diz que hoje não...puxa, que aflição. Sinto que tem algo errado com você, talvez seja só o dia que não foi bom (faz parte, nem todos os dias são bons), mas horrível não poder falar com você e ficar tranquila...Espero que seja só a minha cabeça, mas essa nossa ligação não me diz isso. Ai meu amor, que meleca, só queria escutar sua voz e saber que esta tudo certo. Se essa angustia não passar, vou dar uma de maluca mesmo e acabar ligando ai...a última coisa que quero é atrapalhar sua recuperação mas estou sentindo algo muito estranho aqui dentro. Procure ajuda amor! Acalme-se, sinta meu amor por você...lembre-se de nós que amamos tanto você! Peça ao poder superior para fortalece-lo neste momento difícil (se é que é isso)!!!!

O melhor que faço é deitar, já esta ficando meio tarde...
Beijos,
Dona Barriga

Aaaaaa... o amor


São Paulo, 1 de Janeiro de 2013

Querido Caiçara,

Chegou...2013 esta aqui. O que mudou de ontem (2012) para hoje (2013), tirando uns kilos a mais na balança, uma noite mau dormida pela queima de fogos madrugada à dentro, nada. Porém tenho 365 dias pela frente de escolhas, e depois da nossa conversa no telefone, pela primeira vez em muito tempo, desliguei tranquila...fiquei feliz em escutar você, em você ter me escutado; sinto que nossa comunicação esta melhorando. Bom começo de ano!

Por mais curto que tenha sido nossa conversa, senti você muito comprometido, forte nas suas decisões e enfrentando os obstáculos, pedindo ajuda, ajudando quando pode e crescendo como pessoa. Ganhei meu presente de final de ano! Meu querido, não ache que não vejo o seu lado, claro que não estou no seu lugar, não sinto a sua dor, não enfrento os seus denômios mas sei o quão difícil esta sendo para você estar aonde você esta...subindo um degrau de cada vez, vendo pessoas tropeçando, ficando para trás nesta escalada, que requer muito esforço. E a vontade que dá de simplesmente desistir...Neste meio todo, vejo você prevalecer firme nas suas decisões, e isso também me ajuda a fortalecer as minhas e caminhar ao seu lado. Se as vezes você sente um distanciamento meu, é para o nosso bem; a sua recuperação e (olha que maluco) a minha também! Não percebendo acabei sendo envolvida em tudo isso, e preciso apreender a não ser responsável pelas suas escolhas, não controlar a sua vida, não me culpar, e humildemente aceitar que não tenho a cura para nada (adicção, AIDS ou a ignorância do mundo). Quando entendemos uma coisa tão simples como essa, o peso levanta-se dos nossos ombros, é até mais fácil respirar. Viva e deixe viver, é o lema do dia!!! O que eu posso fazer é viver a minha vida, não a sua...e esperar que possamos viver nossas vidas juntos novamente; com respeito, amor, carinho e cumplicidade reconstruindo nosso espaço, reunindo nossas almas que procuram incansavelmente uma pela outra. E ficam incompletas...sozinhas. Estranho essa ligação que temos, sempre tivemos desde da primeira vez que nos vimos; gostaria de aceitar que as coisas não são apenas o resultado de uma sequência de acasos; elas acontecem por uma razão (mas qual?). Não posso negar, que mesmo inconscientemente procuro você dentro e fora de mim. E dói olhar o I., que cada dia mais parece com você. Sem perceber acabo chamando a atenção dele e sai um Caiçara não morde! Como pode essa transferência? Como tentar me desligar de você se cada vez que olho nosso pequeno lá esta você sorrindo para mim? É “foda” para mim ter este pedacinho de você andando pela casa diariamente lembrando o quanto sinto sua falta...por favor, tente entender meu lado também (pronto comecei a chorar que saco...). Tenho vontade de simplesmente pegar o primeiro avião e sumir, voltar para os USA, mas como? Se o I. estará sempre do meu lado lembrando que você existe? Impossível (já descartei essa possibilidade apesar de ter ponderado seriamente).

O amor que sinto por você, por mais que eu utilize a lógica, abrace a razão; não se explica. No fundo amor é isso, ou você sente ou você não sente! E eu sinto demais! Mesmo quando o resto do mundo diz que este amor não faz sentindo....porque não faz mesmo, mas eu te amo! Só não vou ficar aprisionada neste amor, ele precisa crescer, dar frutos, ser tudo que este amor pode ser...e não depende de mim. Como coloquei anteriormente, esta planta não será regada só por mim, somos nós dois responsáveis por ela, senão ela morre...Meu amor, regue nossa plantinha também pois estou cansada de cuidar dela sozinha. Olha, até já transplantei de vaso, coloquei uma terra adubada novinha, mas nem todos os dias eu posso rega-la. Preciso de ajuda!

Enfim, amor da minha vida, SEJA o amor da minha vida! Sinto sua falta, seu carinho, seu cheiro, seu abraço, seu beijo (opa, agora vão censurar a carta...hahaha), sinto falta de fazer amor com você esquecendo as horas...deixando a noite nos abraçar.
Sua sempre, Don Barriga

Ele continua manipulando


São Paulo, 29 de Dezembro de 2012

Caiçara,

Cheguei em Sampa junto com o dilúvio, tirando a chuva a viagem foi traquila, o tráfico intenso era ao contrário (pessoal descendo). Já estou calejada de baixada e não fico mais parada em conquestionamento, ocasionalmente um comboio aqui devido a neblina. Sempre difícil deixar Peruibe, mas também um alívio voltar para a minha vidinha aqui sem ter que encarar um fantasma em cada esquina.

Nossas últimas conversas ao telefone foram complicadas, sempre acabo desligando pior do que quando liguei...não estam ajudando. Nós não estamos sabendo nos comunicar. Você continua me cobrando algumas coisas que não posso te dar, como o porque eu ir até a cínica estes dias que passei em Peruibe se não poderia te ver? Simplesmente para deixar um pacote de cigarros no portão e aumentar minha dor sabendo que você esta tão perto (envio dinheiro para a Cida e ela compra, resolvido)? Implorar, ajoelhar na calçada pedindo para te ver sabendo que não vai rolar? Aumentar minha dor para quê? Ou você acha que a Cida ou outra pessoa da clínica, que você escolheu, iria abrir uma gigante excessão devido ao seu charme? Caiçara, seja honesto com você mesmo e pare de manipular os outros, não funciona mais. Seu egoismo continua evidente, o mundo não gira em torno do seu umbigo. Então preferi passar este tempo com os nossos amigos (que você esqueceu, mas eles não esqueceram de você), na praia ao invés de chorar na porta da sua clínica. Sábia decisão! Você também continua não falando o que realmente importa, pelo menos para mim, seus sentimentos...sinto você um vazio existencial, um vácuo que caminha. Engraçado que, me parece fácil com seus novos amiguinhos você até consegue dizer algo nas suas partilhas mas para mim, nada. Um mísero “eu te amo”ou “voce esta bonita” não sai ai de dentro nem por decreto. Comigo você não partilha nada! Ah desculpe, eles entendem você e eu não; claro eu não sou dependente química...sou só uma pessoa comum, com uma vida normalzinha sem graça cuidando de um filho pequeno e batalhando as coisas...como poderia eu entender você? Um ser tão complexo assim. Chega de ficar usando a sua doença para justificar a ausência de carinho por mim, também sinto sabe? Também sou gente, pode não parecer as vezes, pois preciso me munir de força e coragem para segurar o dia a dia. Pois sou só eu, sozinha e ninguém mais.

Enfim meu querido, as suas palavras não acompanham o seu comportamento (pelo menos comigo). Por outro lado, são anos e anos manipulando o universo, algo que demorará uma vida para ser consertado...mas eu, você não manipulará nunca mais!

A respeito da próxima visita, honestamente será no pior momento para mim, no meio de Janeiro estarei viajando para Brasília, não sei como a nova babá (super recomendada pela Dona N) estará adaptada aqui em casa, preciso focar nos meus estudos pois agora é reta finalíssima...enfim, farei um esforço, bate e volta mas sem o I.. Espero que você entenda. Porém, ainda temos algumas semanas, vamos ver como as coisas se desenvolvem.

Bom, meu amor vou ficando por aqui pois estou exausta, quero a minha cama e um banho bem quentinho. Sinto muito se você não esta contente com tudo que escrevi, mas foi de coração porque te amo.

Beijos,
Dona Barriga

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Subindo a serra


Peruibe, 28 de Dezembro de 2012

Querido Caiçara,

Amanhã me despeço daqui (resolvi ficar um dia a mais, sábado subo a serra pois domingo teremos um almoço no meu pai e não dá para ficar de férias à de eterno,né?). Escrevo enquanto o I. dorme, olhando este céu maravilhoso, escutando o barulho das ondas quebrando no mar, sentindo esta brisa depois de um dia ótimo! Grande parte dos dias que passei aqui foram maravilhosos, reencontrando amigos, curtindo nosso filho (que dá trabalho), tomando sol na praia...Hoje passamos o dia todo no Ruínas com o seu E. (alias agora ele foi graduado a vovô E.), simplesmente entrou com ele na praia (acredita? Vovô E. molhou o saco!), o I. ficou imundo rolando na areia, na água, brincando nas ondas...comeu bolinho de bacalhau, se entupio de mais Coca Cola e, por incrível que pareça, eu não estressei! Ao contrário, agradeci! Nada que uma ducha não resolvesse depois. Seu filho é caiçara mesmo, assim que chegamos na praia ele saiu correndo em direção ao mar, sem medo, sem ressalvas...se deixar ele se afoga! Fiquei com um pouqinho de medo, mas com o vovô E. de olho em cima dele, relaxei e deixei eles aproveitarem! Encontrei com a Maria também, mas parece que ela não vai mais conseguir subir para ficar com o I., pirei...mas a Dona N. sempre tem a solução e já acertei com a irmã da cunhada dela (super confiança) que mora em Sampa, dia 2 ela estará lá em casa! Deus é pai mesmo! Todos mandam muitos beijos para você e desejam o seu melhor!

Levei o I. na sua mãe também, ele passou um bom tempo com elas, sua mãe ficou feliz! E eu consegui fazer as unhas, uma massagem e tomar uma cerveja neste calor infernal em paz sem estar correndo atrás dele a cada 5 segundos! Elas me pediram para deixar o I. aqui uns dias, assim de última hora, achei melhor não. Também não sei se estou preparada para ficar longe dele ainda, ele é tão pequenininho! Mas vou pensar, talvez alguns dias mês que vem enquanto ele estiver de férias.

Encontrei a D. e o V., o filho deles continua tão antipático quanto antes (palavras dela). A D. virou dona de casa mesmo, mas sempre uma grande amiga e companheira para mim! Lembrei de algo que você falou um tempo atrás que ela, talvez, tenha um pouco de inveja do I. ser como ele é pois o I. acaba sendo o centro das atenções e as pessoas não dão muita bola para o outro. Claro, seu filho conquista todo mundo com o seu gigante sorriso. Aqui no hotel, até a lavanderia ele já conheceu com as meninas que trabalham aqui! No café da manhã, a menina da recepção fica brincando com ele para que eu consiga comer alguma coisa. Não que eu ande com muito apetite, na verdade de umas semanas para cá ando passando mal depois que como; muito nauseada. Estranho, sinto vontade de comer e quando como não dá muito certo. Mas emagrecer que é bom nada!

Bom meu amor, tirando os altos e baixos, o saldo da minha estadia por aqui foi positivo. Apesar de sentir demais a sua falta pois tudo me lembra você. Consegui descansar, rever amigos queridos, aproveitar um pouco, passar um tempo (integral) com o I. e pensar bastante em tudo, no que eu quero para a minha vida, nos meus projetos. Final de ano é sempre um bom momento para refletir, traçar metas e reavaliar nossas escolhas.

Amanhã subimos a serra deixando um pedacinho das nossas vidas aqui para que sempre voltemos! Aproveito para desejar um Feliz Ano Novo, um recomeço, um reeencontro cheio de esperanças! Não podemos apagar o passado (só apreender com ele), nem prever o futuro mas podemos fazer o hoje valer a pena! Que venha 2013!

Beijos,
Dona Barriga 


Tão perto e tão longe


Peruibe, 26 de Dezembro de 2012

Querido Caiçara,

Uma noite quente, quase lua cheia....o I. dorme e eu na sacada do quarto de hotel, observando absolutamente tudo que não tenho na minha vida. Um casal, cúmplices nadando na piscina toda iluminada a noite, um pai carinhoso brincado com seu filho. Poderíamos ser nós, mas não. No presente momento não somos, mas a questão que não consigo responder é, seremos nós um dia? Sem perceber, as lágrimas já escorrem.

Por mais que goste daqui, é muito difícil para mim estar aqui! Hoje passei em frente da casa que moramos (continua fechada), abracei a Dona N., encontrei o velho mala e o Seu E.. Seu Jõao brincou com o Iago na praia, entrou no mar com ele de roupa e tudo! Dona N.cobriu ele de beijos e fez ele almoçar, Seu E. entupio ele de Coca-Cola. É comovente saber o quanto nosso filho é amando por todos. Nossos amigos de coração. Está meio complicado escrever, pois não paro de chorar, deve ser TPM (apesar de que meu momento já foi este mês). Mas não foi só o I. o paparicado, todos eles agora me tratam como se eu fosse um vaso de cristal prestes a quebrar. Ainda não decidi se gosto ou não, nã....não gosto, pois não sou frágil apesar de precisar de um colo também. Não sou a muralha da China, às vezes o peso é grande demais e preciso de um tempinho, para recuperar as forças e continuar. Por isso amanhã, vou deixar o I. com sua mãe para fazer as minhas unhas e marquei também um massoterapeuta aqui no hotel, quero ser paparicada um pouquinho sim!

É muito difícil saber que você esta tão perto e tão longe ao mesmo tempo...Sonhei que simplesmente invadia a clínica e levava você embora comigo. Os sonhos expressam nossos desejos mais profundos, mais escondidos (sengundo Freud); provavelmente meu subconsciente esta tentando me dizer algo; que eu te amo, sinto sua falta e quero você do meu lado. O velho dilema entre a razão e a emoção...

Enfim, depois do que conversamos, eu honestamente, estou fazendo um inventário dos meus sentimentos estes dias na tentativa de resgatar o que puder ser salvo, emendar o que for viável, consertar o que foi quebrado...ainda não sei o que sobrou, mas como você mesmo disse, o tempo ajudará (ou apagará também) o que for importante. Sou uma mulher de 40 anos, com um filho pequeno para criar e, digamos, que o tempo não esta muito a meu favor. Porém hoje, não vou me cobrar, serei amiga de mim mesma...amanhã já é outra estória. Você me conhece, enquanto você é o rei da procrastinação eu resolvo, de uma forma ou de outra (talvez da forma errada...mas na maioria das vezes, a certa).

Bom meu querido, espero que você esteja bem, sei que nosso Natal não foi exatamente o ideal mas eu fiz o que estava ao meu alcance, sempre sendo honesta com você. Se você ainda não se sente preparado para ouvir algumas coisas que eu digo, desculpe, mas faz parte...eu não vou ficar pisando em ovos. Se você me ama do jeito que eu sou (e estou ficando meio velha para mudar, daqui para frente só piora...hahahah).

Amo você, adoraria que fossemos nós nadando nesta piscina com nosso filho...
Sua, Dona Barriga

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Mudança de planos


São Paulo, 20 de dezembro de 2012

Querido Caiçara

Que coisa boa, hoje acordei bem cedo (o I. ainda dormia) e quando desci para tomar café lá estava a sua carta! Li e reli várias vezes, fiquei muito feliz de receber um pedacinho seu....sei o quão difícil deve ter sido para você escrever, mas agora que deu o primeiro passo continue! Ganhei meu dia, nada me incomodou, nada de irritou! Como se eu soubesse algo que o resto do mundo não sabe, um segredo guardado nos nossos corações; o amor.

Estive na sala ontem (toda terça estou lá, religiosamente) e foi ótimo, como sempre sai de lá renovada, acho que dei muita sorte em encontrar esta sala, tão acolhedora, pessoas “graduadas”em todos os passos, impressionante a sabedoria delas, a serenidade...a maluca enlouquecida sou eu! Acho, que no fundo, elas acabaram me adotando, a rebelde! E gostam das minhas partilhas, alias não temos tempo limitado, nem sininho...simplesmente falamos o tempo que precisamos falar, e olha que mulher fala pra caramba! O bom de uma sala pequena e experiente é esta, a flexibilidade e compreensão do momento de cada um...claro que temos alguns pequenos rituais, mas no final não é isso que interessa, mas a irmandade entre nós. Vou sentir falta das “meninas”, pois teremos duas semanas de “férias”...Não faço mais parte daquele forum online (no facebook), fiquei de saco cheio de escutar umas mulheres totalmente codependentes, sem enxergar um palmo na frente do nariz, sendo facilitadoras (já ouviu este termo?) e achando lindo ter um adicto na sua vida. Alias a maioria delas não deveria nem estar no Nar Anon e sim no MADA (Mulheres que Amam Demais)! E se elas realmente frequentam as salas deve ser apenas pelo cafezinho e bolachas. A gota d'água foi uma postagem aonde uma maluca disse que viver com um adicto era uma arte (o marido dela é, o filho em recuperação e o outro na ativa há 15 anos). Respondi que arte eram os afrescos de Michelangelo na Capela Sistina, os quadros surrealistas de Miró ou mesmo as esculturas de Rodin...viver com um adicto não tem nada de belo, é um inferno de dor e sofrimento, uma montenha russa emocional que só gera desgastes psicológicos...enfim, não tem nada de lindo e especial. A mulher se enlouqueceu, me chamou de idiota e disse que eu so apreenderia na porrada mesmo. Ai simplesmente respondi que agradecia as companheiras, mas a idiota estava se retirando e se, ela em 15 anos não aprerendeu nada...bota mais 15 anos vivendo nesta merda. No fundo, não estava me ajudando muito este forum.

Alias por falar em férias, hoje foi o último dia do I. na escola, e agora? Sem babá, sem ninguém para segurar a onda até Janeiro quando a Maria chegar...não que ficar com o I. seja um peso, longe disso, mas simplesmente não consigo fazer nada! Estudar nem pensar! Ele ve o computador e já quer assistir a galinha pintadinha, só quando ele tira uma soneca mesmo vou conseguir fazer algo. Puxa, estou sem opção! Só fico meio assim porque serão alguns dias à menos que não estudarei, e agora é reta final, ou vai ou racha! Talvez, encare as madrugadas mesmo...faz tempo que não viro noites estudando, mas se assim tiver que ser será!

Os planos para o almoço de Natal foram cancelados, pois é, minhã irmã vai viajar..., fiquei meio chateada mas cozinhar só para minha mãe e os gatos...acabei entendendo. Estou pensando em outras coisas então. Mudança de planos. Faz parte da vida, que seja! Ano que vem faço outo cardapio, ainda melhor!

De resto vamos caminhando, muito calor durante o dia e dilúvios bíblicos sempre a tarde. A cidade já é um caos, com alagamentos por todos os cantos fica melhor ainda.

Bom meu amor, espero que esteja tudo tranquilo com você.
Beijos, Dona Barriga

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A estrela que brilha


São Paulo, 16 de Dezembro de 2012

Querido Caiçara,

Impressionante como o tempo passa, hoje foi a peça de teatro que a escolinha organizou como confraternização de final de ano. O I. foi a estrelinha mais brihante de todas! Estava um fofo, a fantasia era linda, alias tudo foi muito bem planejado, organizado e um sucesso. Minha irmã não pode ir, mas os avós corujas (meu pai até filmou) estavam presentes. Acho que foi tanto estimulo que o coitadinho capotou não eram nem 6:30 da tarde, e agora dorme enquanto lhe escrevo.

Hoje também fiquei escutando buzinas e rojões o dia inteiro graças aos “manos”(e olha que a zona leste é bem longe daqui...), pois é não é que o Corinthias ganhou o mundial interclubes. Agora aguenta! A D. já me ligou hoje comunicando que, oficialmente, o Jõao é o pentelho mor do ano. Assisti partes do jogo, minha mãe inteiro com o I. e, pior ficou cantando o maldito hino. Vai que contamina o pequeno e ele vira Corinthiano, que tristeza seria...mas eu deserdo antes!

Estive na Paulista resolvendo uns pepinos na empresa estes útimos dias e a decoração de Natal na avenida esta realmente linda este ano! A cidade esta toda enfeitada, também montamos a árvore aqui em casa, e a Antônia decorou toda a sala mas a merda é que ninguém deixa o I. chegar perto dos enfeites e ele fica maluco! Claro que precisa ficar de olho, se quebra uma bolinha de Natal daquelas na mão dele, é corte na certa mas ele não esta muito satisfeito em apenas ver os enfeites, ele quer interagir! Também terei que me dividir, na ceia estaremos no meu pai, e no almoço do dia 25 com a minha mãe, alias o cardápio será meu: bacalhau ao forno com alcaparras, lombo com molho de nozes (estou com medo deste ressecar), um risoto de damasco, uma salada de endivia e pêssego e de sobremesa (se eu acertar a receita) pêras ao vinho. Vamos ver se eu dou conta sozinha, minha mãe continua procurando a cozinha até hoje e a Antônia estará viajando. Faz tempo também que não cozinho, espero não ter perdido a mão.

Sei o que você esta pensando, meio tristinho que não estaremos juntos nas festividades de fim de ano, mas muitos outros Natais virão, e no próximo o I. já estará entendendo um pouco mais e, quando você se fantasiar de Papai Noel ele vai adorar! Acho importante, neste momento final do ano, refletirmos, fazermos uma análise de como vivemos estes 365 dias de 2012 e como queremos viver os próximos 365 de 2013! Renovação, não podemos mudar o começo da estória, mas sempre podemos mudar o final! Engraçado, estava pensando nisso e todos os grandes acontecimentos na minha vida sempre foram em anos impares: o nascimento do I., minha graduação na faculdade, minha mudança para os USA, a defesa do meu doutorado...então que venha 2013 e toda sua força impar!

Passei por uma experiência, no mínimo, incomum para uma sexta feira a noite. A sala que frequento as terças fica numa casa espírita, eles aceitam doaçoes pois fazem trabalhos assistencias e na sexta a noite (eles só abrem a tarde/noite durante a semana) fui lá entregar uma sacola cheia de roupinhas que o Iago não usa/cabe mais enquanto minha mãe olhava ele (dormindo claro). Sem saber era o dia que eles reunem-se, fui convidada a participar e foi tão bonito! Uma sala simples, cadeiras de plástico, crianças, copinhos de plástico com água (para purificar, disseram eles – fluidoterapia), flores bracas enfeitando os vasos que nos foram oferecidas no final da reunião...paz, serenidade. Sei lá eu se estava naqueles dias sensíveis, mas chorei (meio escondido, você sabe como eu sou em público); foi quando uma pessoa, que estava sentada atrás de mim (nunca tinha visto na minha vida), simplesmente veio até aonde eu estava e calmamente disse que meu avó M. pediu que eu não tivesse mais medo de entrar no milharal para pegar minhas bonequinhas pois as cobras não existem mais. E voltou para o seu lugar, assim, sem mais nem menos. Pensei com meus botões, que beleza! Aonde vim parar, no meio de um bando de loucos mesmo e de repente uma memória muito distância...Eu criança, passando férias na casa dos meus avós, eles tinham acabado de constuir a casa e tinha um milharal no terreno do lado, e iamos escolhar as melhores espigas para fazermos de bonecas! Chegamos ao requinte da minha avó costumar umas sainhas para enfeitarmos as espigas, pintavamos o rosto, penteavamos o cabelinho delas...E sempre que iamos entrar no milharal, eu pedia para meu avô nos acompanhar porque tinhamos medo das cobras! Ele segurava na nossa mão e lá íamos nós milharal à dentro! Fiquei em choque, alias até agora não entendi muito bem...Quando terminou a reunião sai correndo atrás da pessoa, ela simplesmente, e muito querida, pediu desculpas mas não lembrava de ter dito nada, me abraçou e desejou um feliz 2013. Que tal? Ainda estou meio sem chão nesta estória, difícil acreditar mas aconteceu comigo, bem assim, do nada. Qualquer outra pessoa contando eu não acreditaria mas foi comigo, e não tem como eu não acreditar no que eu mesma vive né? Bom, existem coisas além da nossa compreensão, essa é, certamente, uma delas. Só posso dizer que sai de lá em paz comigo mesmo, sem medo (das cobras, do futuro, do presente, de nada)!

Bom meu amor, a respeito do que conversamos nos nossos míseros 10 mim, continuo firme aguardando um sinal seu, verde ou vermelho. Na verdade, o ideal é que pudessemos conversar pessoalmente sobre isso, vou tentar negociar algo com a clínica, pois existe uma certa urgência e esperar pela próxima visita em Janeiro seria um atraso desnecessário. Mas não se preocupe, aqui fora quem resolve sou eu, ai dentro quem resolve é você...cada um fazendo sua parte!

Ah, esqueci de comentar; olha o que esta escrito no nosso livrinho do Nar Anon para o dia 4 de dezembro:

Se seguir os meus instintos, tenho a possibilidade de ajudar outras pessoa a encontrar aquilo que todos nós descobrimos: não estamos sozinhos e existe esperança.
“É dando que se recebe” Francisco de Assis

Meu querido, amamos muito você! Muita força e um dia de cada vez!
Beijos,
Dona Barriga

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

A rotina


São Paulo, 13 de dezembro de 2012

Querido Caiçara,

Ontem seu time foi campeão da sul-americana (de uma forma meio única digamos assim, pois o time argentino nem voltou para o segundo tempo) e lembrei das nossas noites de quarta, que nem telefone nós atendíamos pois era dia de futebol! Continuo assistindo, sempre gostei de futebol mas o I. não entende (e as 10 da noite esta no décimo sono), minha mãe só fala de futebol europeu (mas continua sem saber a diferença entre tiro de meta e escanteio), sair para ver o jogo numa padaria qualquer aqui perto nem pensar (como deixar o I. aqui)...enfm, até o futebol que sempre gostei perdeu um pouco o sabor. Mas vamos apreendendo a conviver com elas, sentir falta faz parte.

Estes últimos dias ando muito ocupada, parece que tudo que deveria ter sido feito o ano inteiro precisa ser resolvido agora já! Para complicar, dia 19 encerrão as aulas do I., e estou desesperada procurando uma babá para ele (a escolinha de férias foi cancelada e eles só voltam em fevereiro). Mas há uma luz no fim do tunel, talvez a Maria venha para SP em janeiro e fique com ele o mês todo! Seria maravilhoso, pois não confio em agências de babás e por ai vai...vamos ver, se der certo ficarei mais tranquila! Além de que ela aproveita para ganhar um pouquinho mais e ajuda na faxina, a atual não está dando mais conta (e odeia a menina que vêm uma vez por semana para ajudá-la, e com razão, outro dia ela limpou o quarto do I. e deixou uma fralda suja dele em cima do tocador, o fim né?). Bom, se der certo ganhei na loteria! Mas são detalhes da minha vidinha aqui, também decidi não aceitar a consultoria da empresa para a Petrobrás, preciso estudar e muito para o concurso em Brasília, reta final. Depois, repenso. Eles entenderam que neste momento não é viável. Terminei os projetos que me propus e até 2013!

Voltei de Peruibe na segunda e terça fui no Nar Anon, a melhor coisa que poderia ter feito. Gosto muito da nossa sala, alias minha madrinha me abraçou e disse que minha partilha não era de alguém recém chegada, mas com a vivência do primeiro passo. Não sei exatamente o que isso significa (pois acho que nem meio passo eu dei), mas literalmente o nosso primeiro passo é: Admitimos que éramos impotentes perante o adicto – que nossas vidas tinham se tornado incontroláveis. Ela, com sua gigante sabedoria, disse, você esta tomando o controle da sua vida novamente! E sai de lá imensamente feliz, por mim, por você e mais, pelo I.!

Depois saimos para comer uma pizza (minha mãe querida segurou a onda e ficou olhando o I., dormindo claro), e fazia tempo que simplesmente não desencanava, com minhas novas (apesar de todas elas serem bem mais velhas que eu) amigas. Não existe melhor pizza do que as de São Paulo, e olha que você sabe que já rodei o mundo mesmo! São essas pequenas coisas na vida que fazem toda a diferença e nos lembram do que realmente é importante: ser feliz! Ser feliz com as nossas escolhas, com os caminhos que tomamos, e acima de tudo amar quem amamos.

Acordei com uma vontade de ficar “lambendo” a cria o dia todo, mas ele tem escolinha, eu trabalho, estudos...fico babando nele durante o final de semana. É importante, também, que ele tenha o seu espacinho, né? Não posso sufocá-lo, o I. esta se tornando uma pessoinha!

Bom meu amor, mande notícias quando puder (ou conseguir escrever algo, espero que tenha superado este momento pois queremos “escutar”o que você tem a dizer). Estamos carentes do seu amor! Mas serenos, um dia de cada vez!

Beijos enormes,
Dona Barriga

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Amigos e mar


Peruibe/São Paulo, 10 de dezembro de 2012

Nada como uma noite de sono bem dormida, uma força lá de cima e, a Dona Benedita (do hotel, ela mesma) carinhosamente conversando comigo depois de ter feito uma panqueca de morangos frescos deliciosa só para mim no café da manhã! Eu nem sabia que tinha essa moral toda com ela...não, quem tem é o I. mesmo (eu só lucro por tabela)!!!

Como minha mãe já tinha deixado o I. na escolinha, antes de subir para São Paulo fui ver minha mainhã peruibana, Dona N. me deu um abraço tão apertado! Me senti acolhida e amada por aquela pessoa simples, honesta e que tanto me ajudou e ajuda até hoje. Alias o quiosque deu uma boa mudada, além de termos agora um parquinho com balanços, escorregador etc...ela disse que fez pensando no I. e morre de saudades dele. É o parquinho do I.! Conversamos bastante, ela gosta muito de você e sempre fala que seu coração é de ouro, só falta a cabeça entrar no lugar e torce demais por você, por nós. E vai rezar por você, e olha que a Dona N. tem linha direta com Nossa Senhora (lembra da casa dela?)! Também encontrei o velho caolho, que alias como bom fofoqueiro sempre bem informado já sabia que eu estive/estava em Peruibe; ele sempre liga para sua mãe querendo notícias suas. Acho que, se eles permitirem, ele estará na próxima visita. Mas uma vez senti o carinho e amor que todos eles têm por você e a enorme esperança que você volte para nós recuperado. Também decidimos esperar você completar seu tratamento para marcarmos o batizado do Iago, pois queremos você conosco neste dia que será tão especial! Então, sem pressa...



Foi difícil deixá-los, me despedir, pegar o carro e subir a serra. O cheiro do mar, o barulho das ondas quebrando, o gosto de sal, o sol esquentando minha pele: tudo isso lembra você! Como se fosse o seu cheiro que eu sentisse na maresia, a sua voz nas ondas quebrando, o seu beijo salgado na minha boca, o seu corpo aquecendo o meu. Que gigante vontade de ficar! Mas alguém tem que pegar o I. na escolinha e já abusei demais da minha mãe deixando ele com ela sozinha a noite passada (além de que já estava com saudades do pequeno). Claro que cheguei na escola e ele nem deu muita bola para mim! Eu só carreguei 9 meses mesmo, o I. é muito sossegado e já adotou o mundo como sua casa, e todas as pessoas que moram nele como seus amigos. O cofrinho que você fez com tanto amor e carinho virou brinquedo na mão dele, ele ficou um tempão andando com ele para cima e para baixo (ainda bem que não quebra) e, morria de rir em vê-lo rolar pelo chão.

Caiçara meu amor, desculpe pelas lágrimas no nosso encontro, das palavras duras que escutou mas eu estou bem melhor! Preciso de tempo para analisar que tsunami foi esse que imundou minha ilhazinha, e esperar que a onda regredia para o mar, o que foi molhado seque e a reconstrução comece. Amanhã tenho sala com as meninas no Nar Anon, quem sabe depois da partilha minha madrinha não chega a conclusão que dei o primeiro passo! Chorei um rio, mas era o que eu precisava naquele momento e hoje estou fortalecida, pronta para enfrentar esta batalha do seu lado, sem mais dúvidas. O meu amor por você esta aqui, e ficarei do seu lado por amor (lembra da nossa conversa sobre isso né?) enquando você me amar também e remando o mesmo barco.

Mais do que isso, senti você determinado e seguro na sua jornada, certamente fez a diferença para mim, e ajudou na minha decisão de embarcar nesta jornada ao seu lado. Porém o trabalho é seu, sou apenas mais uma ferramenta que você pode contar! Amor da minha vida, pai do meu filho, lembre-se do quão especial você é (pelo menos para mim) e cuide de você, para que num futuro próximo você possa voltar a cuidar de nós que te amamos muito, sentimos sua falta. Não queremos perfeição, longe disso, eu só quero meu companheiro de volta com suas qualidades e defeitos (mas sem drogas); pois defeitos todos nós temos. O importante é apreender com eles e melhorar a cada dia.

Bom, você falou muito em tomar as redes da sua vida e agir; então ai vai minha frase do dia:

A visão deve ser seguida pela ação. Não é suficiente olhar para o alto da escada – precisamos subir todos os degraus”

Boa escalada!
Um beijo grande,
Dona Barriga

A visita e minhas lágrimas


Peruibe, 9 de dezembro de 2012


Caiçara meu amor,

Nao consegui voltar para São Paulo depois de me despedir de você. Estava muito cansada para dirigir e enfrentar o trânsito na estrada (chequei a internet antes), e emocionalmente perdida nos meus sentimentos...uma mescla de felicidade por vê-lo e tristeza por vê-lo também.

Acho que estava precisando de um tempo para mim! Só ficar sozinha, mas não escolhi o lugar certo pois tudo aqui lembra você! Quantas vezes dormimos aqui juntos com o I. encostadinho na cama na parede! E ele fazendo o abajur de brinquedo!
Confesso, não paro de chorar...mas eu preciso chorar tudo que ainda nao chorei todas estas semanas, sozinha, longe de tudo e todos e principalmente longe do I. . Pois não quero que ele sinta minha fraqueza, minha dor....e ver minhas lágrimas. Mas hoje eu me permiti, aqui no mesmo quarto de hotel que dormimos tantas vezes, desabar, deixar minha armadura, despida, sentir tudo e simplesmente chorar até dormir.

Nunca tinha sentido tanta dor assim, nem imaginei que tal dor pudesse existir. Hoje, e só por hoje, estou dilacerada, partida ao meu. Amanhã, espero recuperar minha força para continuar a caminhada, mas agora só peço ao poder superior que me ampare, me guie pois estou perdida. Sem chão, justo eu que sempre tive as respostas para tudo...não sei o que fazer! Desculpe nao escrever as palavras que você quer ler, estou fragilizada, absorvendo tudo sem muito sucesso. Eu amo tanto você, meu Deus, dói demais!
Termino amanhã esta carta pois eu não consigo nem escrever agora, pela primeira vez na minha vida meus olhos estam tão cobertos de lagrimas que não vejo nada.

O primeiro tombo


São Paulo, 6 de Dezembro de 2012

Caiçara,

Esta carta você receberá vindo de algúem cansada, exausta...mas fiz este esforço, andei milhas, chorei noites intermináveis mas continuei acordando todas as manhãs porque? Porque existe um amor incondicional, um pequeno ser que merece ser feliz e precisa de NÓS! Mas hoje ele só tem à mim...então hoje eu sou dois, três, mil...

A única pessoa que posso mudar sou eu mesma, e não irei mais criar expectativas, sonhos. As coisas são o que elas são e cabe a mim aceitá-las ou, simplesmente desistir. Confesso que há dias que minha vontade é desitir...de você, deste submundo de mentiras, delírios, e por ai vai. Eu também tenho o direito de desistir, não sou a Madre Teresa de Calcutá. Sou uma pessoa, comum, cheia de defeitos com um filho pequeno para criar!

Nos apaixonados e nos “desapaixonamos” também. Hoje, me vejo no meio entre os dois. Faz tempo que estamos distantes, sem comunição, sem carinho, sem respeito...e sua doença só acelerou o processo ainda mais.

As vezes, me pego, sem querer lembrando de quando eramos um só. Aonde esta você agora, além de aqui, dentro de mim? Lembra?!! Fazem séculos...
"E quando vejo o mar, existe algo que diz que a vida continua e se entregar é uma bobagem , já que você não está aqui, o que posso fazer é cuidar de mim, quero ser feliz ao menos lembra que o plano era ficarmos bem...
Sei que faço isso para esquecer, deixo a onda me acertar e o vento vai levando tudo embora..”

E as lágrimas escorrem pelo meu rosto, sem ninguém para enxugá-las, estou sozinha. Mas a dor me fortalece, ou endurece a armadura que visto, dia após dia, para sobreviver longe de você.
Eu preciso de um tempo, juntar os cacos de tudo que foi quebrado, tentar curar as feridas e voltar a ser uma pessoa inteira novamente!

Só por hoje, peço ao Poder Superior que me ampare, me pegue no colo pois não consigo caminhar!

Dona Barriga

E os dias


São Paulo, 2 de Dezembro de 2012

Querido Caiçara,

Hoje, com um certo de grau de distanciamento, analisando nossa breve e superficial conversa no telefone vejo dois aspectos bens distintos. O primeiro é óbvio: você esta fragilizado, adaptando-se ao tratamento, longe de casa, e de repente a minha voz vindo do mundo exterior pode ter causado lembranças (boas e ruins, pois todas elas fazem parte do que vivemos) e sua forma de reagir foi com indiferença, na tentativa de poupar-se. Ai dentro é seguro, aqui fora não. Ai dentro todos são iguas aqui fora não! Claro que adicionado a isso, uma letargia decorrente da medicação, que anestesia os sentimentos. O segundo aspecto é a minha inabilidade de apreender a não criar expectativas, pois todas elas acabam da mesma forma...em decepções e frustações. E isso sim, é meu. Com as ferramentas que estou apreendendo, vou chegar lá e simplesmente não esperar mais nada de você, porque sempre eu acabo me machucando. E aceitar apenas o que você puder me dar de coração, se for o suficiente ótimo senão sinto muito. Lentamente volto à um mundo onde as coisas fazem sentindo, lógico e racional 1+1=2!

O I. foi vaciando para trilhões de coisas hoje, minha mãe foi comigo levá-lo na Pro-Matre, (foi uma micro fortuna, alias e as pessoas que não podem pagar particular, simplesmente ficam sem vacinar seus filhos? Tem cada coisa neste pais que as vezes me faz comprar uma passagem e voltar para os USA). Depois fomos passear no shopping, comprei algumas coisinhas que ele estava precisando (o pé dele cresceu!), almoçamos e agora ela esta brincando com ele enquanto estou no computador. Domingo clássico. E amanhã conheça tudo de novo! Esta semana será um pouco atípica, pela primeira vez desde que o I. nasceu ficarei longe dele, tenho uma reunião no Rio para resolver alguns detalhes de uma consultoria que talvez eu me comprometa a fazer para a empresa (projeto grande, da Petrobrás). Se conseguir pegar a última ponte aérea eu volto no mesmo dia senão terei que ficar por lá até o dia seguinte. Talvez não fosse um presente de aniversário tão mau, ficar uma manhã sem fazer nada nas areias de Copacabana tomando sol!

As vezes tenho vontade de sair um pouco, sozinha, sem I./carrinho/mamadeira....só eu comigo mesma. No final, o máximo que acabo fazendo, é ir no cinema. Ser mãe é isso ai, estava embutido no pacote né? Só que as vezes vejo casais (pai e mãe) dividindo as responsabilidades e penso comigo, a natureza é sábia: cuidar da cria é uma tarefa para dois (ou mais mesmo!). Mas abraço a causa, serei pai/mãe/ e tudo mais que o Iago precisar se for necessário, pois ele é a coisa mais importante na minha vida. Simplesmente me desdobro em mil e me apoio em Deus, para me dar força e sabedoria para cuidar e educá-lo da melhor forma possível. Nas minhas rezas peço também que você encontre a serenidade, a coragem e sabedoria para reconstruir sua vida, sem estes três alicerces ninguém cresce!

Então meu querido, só por hoje (mas espero que por amanhã, e vários amanhãs depois) você esteja bem, procurando sua paz e a pessoa que você perdeu (que é você mesmo)!

Beijos,
Dona Barriga

Telefonema


São Paulo, 1 de Dezembro de 2012

Querido Caiçara,

Chegamos ao final de mais um ano, não sei exatamente como me sentir. Daqui a alguns dias é meu aniversário, 40 é um marco na vida de qualquer pessoa, tinha originalmente programado uma gigante festa aos 40 anos, hoje me parece tão distante...Alias muitas coisas, inclusive você.

Não vou fazer firúlas, nossa conversa no telefone foi estranhíssima para mim, como se você fosse um espelho, amortecido, sem emoção, apenas um reflexo do Caiçara que eu conheci. Você disse que me amava como alguém que narra a previsão do tempo! Impessoal, distante...E eu, preocupada em como você reagiria na nossa conversa, me preparei, procurei meu poder superior, pedi ajuda para pode ajudá-lo. E você nada! Parecia que eu estava conversando com uma parede....ou seja, você ainda não entendeu! Metade dos nossos preciosos 5 min você perdeu com o quê? Falando da minha mãe, você querendo a aceitação dela, e a minha aceitação? Eu não existo? Tenho certeza que nem do meu aniversário você lembrou! Também não precisava lembrar de agradecer pela correspondência que eu envio, que sensível da sua parte! Você continua achando que o mundo gira em torno do seu enorme umbigo...

Desculpe fazer as coisas desta forma mas, esta na hora de você acordar, eu acordar! Num grupo, li algo que aplica-se a realidade: o codependente apenas reage as ações do dependente e não age. Pois, eu estou agindo! Por mim, pelo meu filho e, por você também! Ser pró-ativa! Além de que este rótulo codependente não me cabe....A doença é sua, não minha, por mais que eu tenha me “contaminado” por ela, ou deixado isso acontecer...não sou culpada de nada, chega de sofrer a sua dor, sentir as suas angustias, chorar as suas lágrimas, porque todas essas dores, angustias e lágrimas são suas, então abrace-as e apreenda com elas. A partir de hoje, e só por hoje, estou praticando o fundamento mais importante que apreendi no grupo, o desligamento. Isso não significa que você esteja sendo abandonado, longe disso, apenas que você fique livre para solucionar sua adicção e seus problemas.

Honestamente, estou exausta neste momento, sem muitas palavras de conforto à você. Estou saindo de férias com o I. por algumas semanas, tomar sol, esquecer tudo isso e lembrar que a vida é bela! Meu pai nos convidou a viajar com eles em Janeiro para a Europa, mas como o concurso  (nem isso você deve lembrar) é no final de Janeiro fica complicado pois estarei em Brasília. Então ele nos deu de presente umas férias aonde eu escolher.

Beijos,
Dona Barriga

Nar-Anon um achado!


São Paulo, 28 de Novembro de 2012

Querido Caiçara,

Ontem estive na minha primeira reunião do Nar Anon, cheguei meio sem saber o que esperar e no final superou minhas expectativas. Não sei se é algo particular desta sala, pequena, simples frequentada por pessoas um pouco mais velhas que eu mas me senti muito acolhida e amparada. É bom saber que não somos os únicos peixes nadando neste enorme oceano!

Confesso que quando soube que teria que participar destas reuniões para pode visitá-lo fiquei meio contrariada, uma vez que a minha vida esta muito corrida. E pensei, puxa eu mau tenho tempo para o I. e agora vou ter que perder tempo com isso? Que enorme engano! Não foi nenhum tempo perdido, pelo contrário, tempo ganho...ganho com serenidade, coragem e sabedoria (é, também fazemos a mesma oração da serenidade). Compartilhar, inicialmente me foi alienígena mas, de repente, ficou natural e acho que acabei monopolizando metade da reunião!
Enfim, fiquei feliz comigo mesma por ter tomado esta iniciativa, certamente o grupo poderá me ajudar a compreender melhor qual o meu papel nisso tudo e a melhor maneira de apoia-lo na sua recuperação. Comecei também a participar de alguns foruns de dicussão na rede, honestamente alguns já estam sendo lentamente descartados...algumas pessoas “gostam”ou acreditam que o adicto seja especial e optam por viverem esta insanidade o resto da vida (e pior colocando os filhos em situação de risco). Pessoas que alimentam-se da doença do ente amado...no meu ponto de vista quem precisa ser internadas são elas. Mas neste mundo tem de tudo, ne'?

De resto tudo tranquilo, também abri o jogo para a minha mãe, afinal de contas que estória eu iria inventar para não estar em casa plena terça feira a noite, toda semana?!!! Além de que adotei a política de dizer a verdade, chega de ficar guardando tudo calada. Quero a proximidade da minha família. Claro que dizer a verdade nem sempre é fácil mas, por incrível que pareça quando você se abre o outro é muito mais receptivo. Minha mãe me surpreendeu! Ficou com o I. numa boa (claro que quando sai ele já estava no berço dormindo), esperou eu voltar sem cobranças, conversamos e meus medos eram injustificados. Ela também torce por você.

Li esta frase em algum lugar e achei interessante, então divido com você:

"Muitas coisas acontecem em um dia, tanto negativas quanto positivas. Se não nos damos tempo para apreciar ambas, podemos estar perdendo o que nos ajudaria a crescer."

Bom meu querido, por hoje é isso. Escrevo sempre que puder, se você sentir a necessidade de fazer o mesmo estarei aqui aguardando notícias suas. Agora preciso ir pegar o pequeno na escolinha, o dia esta lindo, ensolarado e vamos passear no parquinho!

Muita força, acredite em você e no amor! E vamos vivendo um dia de cada vez...
Beijos,
Dona Barriga

Você se internou


São Paulo, 24 de Novembro de 2012

Querido Caiçara,

Hoje é o dia no qual você internou-se, um novo começo, uma enorme esperança em busca de uma vida digna, completa! Todos torcemos por você neste caminho que, finalmente, você decidiu trilhar. Acredite que estaremos todos juntos nesta caminhada, será longa, árdua nas no final dela estaremos todos lá novamente juntos, uma família! De tempo ao tempo, procure não lamentar muito o passado e sim almejar um futuro longe das drogas e proximo de nós.

Neste momento sinto muito orgulho e felicidade pela sua decisão, sei que a separação será difícil mas lembre-se que para que você possa voltar a amar alguém você precisa se amar primeiro. Então cuide-se, abrace o seu tratamento com os altos e baixos, seja honesto com seus sentimentos e, acima de tudo, lembre-se que têm pessoas que amam você.

O I. esta cada dia mais esperto, não para um segundo! Depois que apreendeu a andar é uma aventura atrás da outra, explora todos os cantos da casa, do jardim, do parquinho...um doce. Como nem tudo é perfeito, ele continua um pé no saco para comer, mas cresce saudável. Talvez ele não seja aquele tipo de criança que quer comer tudo que vê pela frente. Agora no encerramento de final de ano, na escolinha dele, ele será uma estrelinha na peça de teatro que eles estam ensaiando. Será dia 16 de dezembro e depois eles entram em recesso. Estou pensando seriamente em arrumar alguém para ficar com ele meio período senão não consigo trabalhar nem estudar, mas estou a procura da pessoa certa. Em janeiro ele volta para a escolinha de férias...é bem interessante, eles fazem várias saídas recreativas, visitam o zoológico, o jardim botânico, o aquário (este ele já foi né?), museos enfim, atividades extraccurriculares.
Infelizmente, passeios que neste momento eu só consigo fazer com ele durante os finais de semana pois, durante a semana, meu tempo esta cada vez mais curo. São Paulo não é Peruibe.

De resto esta tudo tranquilo por aqui, ainda mais agora sabendo que você esta tratando-se. Não se esqueça, nossa vida é curta, vamos fazer o melhor dela. Você, mais que ninguém me conhece, sabe que não sou religiosa mas li outro dia uma frase que faz sentido: Tenha paciência, o tempo de Deus é diferente do nosso. E na hora dele tudo é mais perfeito.

Na visita de Dezembro não poderei estar, primeiro que o I. ainda estará na escolinha e segundo preciso frequentar, no mínimo quatro reuniões do Amor exigente ou outro grupo (como o Nar Anon) e melhor entender toda esta dinâmica para poder ajudar de uma forma mais efetiva. Então, por favor entenda. Não é abandono. Exatamente o contrário, estamos trabalhando aqui fora para melhor poder lhe dar o suporte necessário.

Sinto muito a sua falta, seu carinho, seu amor mas honestamente há muito tempo venho sentindo esta falta...Você deixou um vazio em nossas vidas quando fez suas escolhas (erradas) e sem perceber, foi nos deixando para trás. Sua doença nos afastou criou um gigante abismo, mas aos poucos iremos construir as pontes novamente para podermos nos reencontrar, reconectar e voltarmos a viver este amor que sempre tivemos um pelo outro e pelo nosso filho.

Neste momento mando todo o meu amor nesta carta na esperança que você, pelo menos, mande de volta um sorriso!
Beijos,
Dona Barriga