Peruíbe/São Paulo 14 de
Janeiro de 2013
Caiçara,
A outra carta que você
acabou de ler foi escrita antes da visita (olhe a data), e parece até
que eu já sabia o que iria acontecer mesmo não tendo bola de
cristal! Infelizmente, mais uma vez, acabo saindo da visita pior do
que quando cheguei...e desta vez nem me despedi de você. Naquele
momento eu estava me sentindo tão sufocada que a única coisa que
consegui fazer foi simplesmente pegar o carro e ir embora em busca
do mundo “normal” aonde eu me sinto confortável. Para mim tudo
isso, dependência química, codependência, clínicas terapéuticas,
NA, Nar Anon, AE e sei lá eu mais o que é muito alienígena; não
faz parte do meu mundinho no qual as pessoas tem problemas, sim, mas
elas administram, trabalham, acordam cedo, levam os filhos para a
escola, tomam uma cervejinha no final do dia, passeiam com o
cachorro, viajam no final de semana, saem para jantar...enfim, o
básico. De repente me vejo encarando este outro mundo que não faz o
mínimo sentindo, e acabo reagindo com estranheza, repúdio e, claro,
meu velho e bom sarcasmo. Podem ser mecanismos de defesa, mas no
fundo eu não quero o meu mundinho invadido por esta realidade tão
doída...e ai realmente esta o problema!
Além da nossa relação
estar muito desgastada...uma mulher só abraça a causa e fica ao
lado do seu companheiro dependente químico por um único sentimento,
amor (ou burrice mesmo...to brincando!). Porque é apenas o amor que
segura o peso, que soma as diferenças, que perdoa.
Então meu querido, eu
preciso deste tempo e buscar esse amor dentro de mim, a muito tempo
atrás este amor estava evidente, a flor da pele mas, aos poucos ele
foi sendo soterrado pelos desastres da vida...talvez ele ainda esteja
lá, embaixo dos escombros. Requer tempo para resgatá-lo.
Por favor entenda, eu
preciso deste tempo. Não irei mais visitá-lo por enquanto, é muito
sofrido para mim, estarei acompanhando seu tratamento a distância.
Preciso me desligar e cuidar de mim, não sou de ferro, pelo
contrário, estou dilacerada, quebrada em mil caquinhos... começando
a juntar os pedaços, um por um, mas vai levar um tempo.
Estou muito confusa, as
vezes quero colocar um motor neste barco e fazê-lo andar porque
esperar o vento sobrar as velas demora muito, outras quero pegar o
bote salva vidas e pular fora antes que ele afunde...Nosso barco esta
a deriva querido. O melhor a fazer é cada um apreender a velejar o seu
próprio barquinho agora. Quem sabe, se nenhum dos dois afundar,
estaremos prontos para um barco maior no futuro, aonde caiba nós
três.
Uma vez você disse que
eu sou pessimista, na verdade mais realista que pessimista...porém
confesso que estou “descrente” digamos assim. Um exemplo disso
são alguns blogs de companheiras de dependentes químicos que acompanho.
Quando elas postam coisas do tipo: meu marido terminou seu
tratamento, e ele esta ótimo vamos começar uma nova vida que
felicidade...eu conto o tempo até a próxima postagem: meu marido
esta na ativa denovo, estou acabada e blablabla. Geralmente não dá
dois meses. É meu amigo, a realidade é cruel. A maioria das
estórias terminam “ele esta internado mais uma vez ou ele não é
mais meu marido”. Porém as vezes, raríssimas vezes, fico contando
o tempo esperando a clássica postagem “meu marido recaiu” e
nada, 6 meses e nada, 1 ano (eu penso comigo, agora ele vai recair) e
nada, 2 anos (bom disso não passa, é agora) e nada...5 anos (poxa,
será que ele não recai mais?) e nada, 10 anos depois e “meu
marido continua limpo”!!! E uma pequena luz no fim do tunel se
ascende, e quero tanto acreditar que nós podemos também ter isso se
soubermos trabalhar as ferramentas, se realmente criarmos uma rede de
apoio, e acima de tudo, muito amor e sinceridade. Caiçara, desde que
nos conhecemos você nunca foi totalmente sincero comigo.
Acredito que as coisas
escalaram, e você chegou no seu fundo do poço também por essa
falta de confiança no sentimento que tinhamos um pelo outro, por
medo de eu virar as costas e sair andando se você fosse honesto...
enfim, toda uma dinâmica baseada na sua falta de sinceridade comigo.
Não que eu pudesse “resolver” mas nós poderíamos ter nos
apoiado mais, em momentos de crise, nas dificuldades...Lembro que
inúmeras vezes perguntava a você como as coisas estavam e você
acabava desconversando, o tempo foi passando, você me manipulando,
eu preocupada com outras coisas, parei de ficar insistindo e no
final...olha o final! Você também sempre se aproveitando do fato de
eu ser a pessoa mais desligada da face da terra, só fui enxergar a
gravidade disso tudo quando a merda bateu no ventilador mesmo e caiu
na minha cara!
Bom querido, espero que
tenha entendi o que escrevi e respeite o meu tempo. Farei o que
estiver ao meu alcance para ajudá-lo, porém temos um lema muito
simples no Nar Anon, primeiro as primeiras coisas. É bem isso, não
dá para vestir a calça e depois a calcinha...não dá para colocar
o bolo no forno e depois adicionar o fermento. Primeiro as primeiras
coisas...
Espero que você esteja
bem dentro do possível e da próxima vez que nos encontrarmos seja
em outras circunstâncias menos sofridas.
Beijos,
Dona Barriga