quinta-feira, 23 de maio de 2013

A velhice chegando


Ola meus queridos(as)

Um dia (será que eu chego lá) também terei 70 anos... E com a idade, as teimosias, as manias, as verdades absolutas, e as micro paranóias também. Hoje não soube lidar numa boa com toda essa dinâmica, e confesso, sugeri que minha mãe fosse fazer uma psicanálise pois entrou em surto psicótico! Como pode, uma pessoa tão racional quanto ela se perder, ao ponto de insistentemente me seguir pela casa quando me recusei a continuar conversando (quer dizer discutindo né?). E agora caiu a ficha, e lá esta ela se sentindo a última das últimas... que meleca. Começou a oscilar, e ela sabe disso (é muito mais inteligente que eu) e deve estar doendo. 

Na verdade o enorme medo da minha mãe é trilhar o mesmo final da minha avó. Mulher de fibra, brilhante, umas das primeiras engenheiras de minas do Brasil (mais uma estória de exilados da segunda guerra), polonesa que nunca apreendeu a falar português direito, tomava um litro de vodka no final de semana, jogada baralho como ninguém (só a dinheiro), adorava casacos de pele (desculpem os ambientalistas, mas naquela época não eram sintéticos não), bolsas bordadas de cristal, chapéus e luvas!  Minha avó era uma figura, firme mas doce ao mesmo tempo, impulsiva mas racional, super profissional mas a giga dona de casa (as receitas dos varenikes, pirogue e o borscht morreram com ela)  polonesa mas do mundo (minha mãe também nasceu na Europa, no meio da guerra, de acordo com as lendas num campo de trabalho forçado na fronteira com a Alemanha, mas deixo as "lendas verdadeiras" da minha família para outro post). Nossa, parece que estou vendo eu e minha irmã invadindo o armário da minha avó, vestindo aquelas roupas de mil novecentos e bolinha, desfilando pela sala enquanto minha avó só dava risada e terminava de marinar o arenque na cozinha... Memórias, tão distâncias, tão boas! Ela era uma figura mesmo! E as noites de sábado, chegava a Olga, a Olenka, a Natasha e de repente todos os poloneses/russo exilados de Águas de Lindóia só falando em russo ou polonês a noite inteira, jogando burraco (melhor roubando), tomando vodka, comendo caviar... e eu lá, com meus 10 anos de idade achando tudo o máximo!  E depois a Olga ia para o piano (sei lá como ela conseguia tocar alguma coisa ainda) e eles cantavam umas músicas dor de cotovelo que só eles conheciam madrugada a dentro.

Depois que meu avô faleceu, provavelmente por se sentir sozinha, acabou casando com um alemão muito estranho, meio misterioso e anos depois descobrimos o porque. Ele morava isolado, um sítio no meio do mato, dizia que era aposentado da Volkswagen e isso era tudo que sabíamos dele. Os anos foram passando, nós crescendo, eles levando a vidinha de interior até que um belo dia ele disse que precisava resolver umas coisas na Alemanha, viajou na sexta, voltou no domingo e na segunda quando minha avó chegou em casa da sua aula de cerâmica encontrou o alemão enforcado no galpão dos fundos aonde ela criava escargot (pensando bem minha avó era muito louca mesmo).

Com o seu suicídio, seu passado veio a tona, ele era um nazista. Nesta altura minha avó já tinha passado dos 70 anos, e a cabeça que andava meio falhando entrou em curto circuito. O Alzaheimer foi gradualmente apagando sua memória, a última vez que vi a minha avó ela já não me reconhecia mais, e falando em polonês apontava para uma foto minha quando eu era uma criança de 10 anos de idade. A neta dela era aquela criança e não a mulher que estava na sua frente... muito triste. Aos poucos ela foi parando de falar, andar, comer e duas enfermeiras cuidavam dela 24 horas por dia, aquela pessoa que foi cheia de vida entrevada numa cama. E assim foram vários anos, eu não morava mais no Brasil; e depois de quase 10 anos ela veio a falecer.

No fundo minha mãe tem medo de acabar como a minha avó, é essa a realidade. Ela tem medo que a história se repita, ela tem medo de ficar insana...

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