quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Seu (sub)mundo me assusta


Peruíbe/São Paulo 14 de Janeiro de 2013

Caiçara,

A outra carta que você acabou de ler foi escrita antes da visita (olhe a data), e parece até que eu já sabia o que iria acontecer mesmo não tendo bola de cristal! Infelizmente, mais uma vez, acabo saindo da visita pior do que quando cheguei...e desta vez nem me despedi de você. Naquele momento eu estava me sentindo tão sufocada que a única coisa que consegui fazer foi simplesmente pegar o carro e ir embora em busca do mundo “normal” aonde eu me sinto confortável. Para mim tudo isso, dependência química, codependência, clínicas terapéuticas, NA, Nar Anon, AE e sei lá eu mais o que é muito alienígena; não faz parte do meu mundinho no qual as pessoas tem problemas, sim, mas elas administram, trabalham, acordam cedo, levam os filhos para a escola, tomam uma cervejinha no final do dia, passeiam com o cachorro, viajam no final de semana, saem para jantar...enfim, o básico. De repente me vejo encarando este outro mundo que não faz o mínimo sentindo, e acabo reagindo com estranheza, repúdio e, claro, meu velho e bom sarcasmo. Podem ser mecanismos de defesa, mas no fundo eu não quero o meu mundinho invadido por esta realidade tão doída...e ai realmente esta o problema!

Além da nossa relação estar muito desgastada...uma mulher só abraça a causa e fica ao lado do seu companheiro dependente químico por um único sentimento, amor (ou burrice mesmo...to brincando!). Porque é apenas o amor que segura o peso, que soma as diferenças, que perdoa.

Então meu querido, eu preciso deste tempo e buscar esse amor dentro de mim, a muito tempo atrás este amor estava evidente, a flor da pele mas, aos poucos ele foi sendo soterrado pelos desastres da vida...talvez ele ainda esteja lá, embaixo dos escombros. Requer tempo para resgatá-lo.

Por favor entenda, eu preciso deste tempo. Não irei mais visitá-lo por enquanto, é muito sofrido para mim, estarei acompanhando seu tratamento a distância. Preciso me desligar e cuidar de mim, não sou de ferro, pelo contrário, estou dilacerada, quebrada em mil caquinhos... começando a juntar os pedaços, um por um, mas vai levar um tempo.

Estou muito confusa, as vezes quero colocar um motor neste barco e fazê-lo andar porque esperar o vento sobrar as velas demora muito, outras quero pegar o bote salva vidas e pular fora antes que ele afunde...Nosso barco esta a deriva querido. O melhor a fazer é cada um apreender a velejar o seu próprio barquinho agora. Quem sabe, se nenhum dos dois afundar, estaremos prontos para um barco maior no futuro, aonde caiba nós três.

Uma vez você disse que eu sou pessimista, na verdade mais realista que pessimista...porém confesso que estou “descrente” digamos assim. Um exemplo disso são alguns blogs de companheiras de dependentes químicos que acompanho. Quando elas postam coisas do tipo: meu marido terminou seu tratamento, e ele esta ótimo vamos começar uma nova vida que felicidade...eu conto o tempo até a próxima postagem: meu marido esta na ativa denovo, estou acabada e blablabla. Geralmente não dá dois meses. É meu amigo, a realidade é cruel. A maioria das estórias terminam “ele esta internado mais uma vez ou ele não é mais meu marido”. Porém as vezes, raríssimas vezes, fico contando o tempo esperando a clássica postagem “meu marido recaiu” e nada, 6 meses e nada, 1 ano (eu penso comigo, agora ele vai recair) e nada, 2 anos (bom disso não passa, é agora) e nada...5 anos (poxa, será que ele não recai mais?) e nada, 10 anos depois e “meu marido continua limpo”!!! E uma pequena luz no fim do tunel se ascende, e quero tanto acreditar que nós podemos também ter isso se soubermos trabalhar as ferramentas, se realmente criarmos uma rede de apoio, e acima de tudo, muito amor e sinceridade. Caiçara, desde que nos conhecemos você nunca foi totalmente sincero comigo.

Acredito que as coisas escalaram, e você chegou no seu fundo do poço também por essa falta de confiança no sentimento que tinhamos um pelo outro, por medo de eu virar as costas e sair andando se você fosse honesto... enfim, toda uma dinâmica baseada na sua falta de sinceridade comigo. Não que eu pudesse “resolver” mas nós poderíamos ter nos apoiado mais, em momentos de crise, nas dificuldades...Lembro que inúmeras vezes perguntava a você como as coisas estavam e você acabava desconversando, o tempo foi passando, você me manipulando, eu preocupada com outras coisas, parei de ficar insistindo e no final...olha o final! Você também sempre se aproveitando do fato de eu ser a pessoa mais desligada da face da terra, só fui enxergar a gravidade disso tudo quando a merda bateu no ventilador mesmo e caiu na minha cara!

Bom querido, espero que tenha entendi o que escrevi e respeite o meu tempo. Farei o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo, porém temos um lema muito simples no Nar Anon, primeiro as primeiras coisas. É bem isso, não dá para vestir a calça e depois a calcinha...não dá para colocar o bolo no forno e depois adicionar o fermento. Primeiro as primeiras coisas...

Espero que você esteja bem dentro do possível e da próxima vez que nos encontrarmos seja em outras circunstâncias menos sofridas.

Beijos,
Dona Barriga

Um comentário:

  1. Ehp... essa realidade é foda. Eu estou fazendo planos, mas tenho consciência do quanto é difícil. E mais: recaídas fazem parte do processo, por mais que a gente não queira. Não é fácil.

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