sábado, 19 de setembro de 2015

Sem nome


Ola meus queridos(as)

Não sou de asistir TV aberta (alguns canais a cabo e olhe lá), muito menos novela das 7, das 8 e menos das 11 (nem sabia que o negócio se estendeu para madrugada quase...), MAS escutei muito sobre a repercussão de uma personagem na tal novela das 11 que acabou se viciando e agora vive na cracolândia. Então, lá fui eu tentar ficar acordada para assistir um pedaço disso na sexta a noite. 

É... confesso que até para mim que já fiz trabalho voluntário por lá, foi um tapa na cara, mas a realidade é essa. Fiquei feliz (não pela situação), mas pelo fato dessa realidade estar sendo descaradamente retratada numa novela, sem pudor ou meio termo. O desespero, a dor, a destruição total do ser humano, a busca incessante pela droga; não há mais limites ou princípios, se você tiver que roubar ou transar com o traficante, que seja. Você vive (ou melhor morre) com o único intuito de usar mais drogas, uma completa escravidão, nada mais existe ou faz sentido, tudo gira em torno de conseguir mais uma pedra e por alguns segundos fugir para o nirvana. Claro que esse é o estágio terminal da adicção, e espero que poucos de nós tenhamos vivenciado isso, MAS esse é o fim quando a doença não é tratada e estacionada. Não tenho como florear muito, só existe este fim se o adicto não escolher parar de usar drogas. Ele pode morrer de overdose (o que é raro), ele pode morrer em decorrência das suas atividades ilícitas e violência das ruas (na maioria dos casos), ou, mais triste, simplesmente definhar, lentamente até deixar de existir e morrer como um indigente, sem nome.

Nunca me esqueço de uma menina, literalmente uma criança com seus 12/13 anos, a mãe completamente entregue ao crack, elas moravam num "barraquinho" ali na rua Helvétia (o coração da cracolândia para quem não é de SP), nem pergunte pelo pai porque é inútil; andava imunda, esfarrapada, os piolhos pulavam do seu cabelo, descalça, agarrada a uma boneca encardida, pedindo qualquer coisa para qualquer um. Algumas pessoas do comércio local por dó, davam uma coxinha, um suco, um par de chinelos; e ela perambulava naquela sujeira, naquele limbo enquanto a mãe passava o dia inteiro se drogando. A primeira vez que tentamos conversar com ela, simplesmente ela saiu correndo como um bicho acuado e se enfiou lá para dentro (a partir de um certo ponto, ninguém entrava... só a polícia e na base da porrada). É uma fronteira invisível, nenhum assistente social, nenhuma ONG, nenhum missionário, nenhum agente de saúde ousava cruzar (ou se tentar, a primeira vez você é convidado a se retirar, na segunda você é ameaçado e na terceira...nem tente). 

Aos poucos ela foi se aproximando, o truque foi uma boneca nova, um pacote de balas, um vestido limpo; mas quando conversávamos sobre a possibilidade dela "deixar" a mamãe que estava doente e ir passar um tempo na escola (a ONG articulou um internato muito bacana para que ela pudesse ser acolhida, com o aval da agente social); ela saia correndo de novo. E assim foram vários meses... pequenos avanços e grandes retrocessos. 

A última vez que a vi, parecia que 30 anos tinham se passado; sua carinha de criança envelhecida, entristecida, sua ingenuidade roubada, seus sonhos de apreender a ler destruídos. Ela estava completamente drogada e grávida... e não queria mais uma coxinha, e sim dinheiro. Uma infância perdida, um ser humano que nunca teve nem uma chance de ser amando e cuidado; e a única coisa que apreendeu na sua curta existência foi dor e sofrimento; e que o mundo é cruel e escuro.

Ela disse que se chamava Maria... morreu esfaqueada numa briga de traficantes pouco tempo depois, e foi enterrada como indigente, sem nome.

P.S: Não consegui mais continuar esse trabalho voluntário na cracolândia depois disso, chorei uma semana sem parar, deixei flores e uma boneca onde ela foi enterrada, e hoje ajudo de outras formas. Mas confesso, não sou tão forte como achava que fosse; e estar no batalhão de fronte é para os fortes mesmo! E deixo aqui meu amor e respeito por todos os voluntários que se aventurão por lá! 






Um comentário:

  1. doeu...aqui...é acho que estou começando a entender o significado da palavra ser forte..ter esperança, alegria e vontade de viver nesse mundo onde o caos impera e a maioria se anestesia...pra não ter que ser forte :(

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