quinta-feira, 9 de julho de 2015

Leannán


Ola meus queridos(as)

Enquanto trabalhava em casa no computador algo me remeteu à um passado distante... uma música, um nome, um lugar, uma pessoa; mais uma pessoa que eu amei e deixei para trás num aeroporto qualquer. Fazia muitos anos que não pensava nela; minha amiga, minha companheira, meu grande amor, minha leannán... Ela não era simplesmente uma mulher, ela foi a mulher que amei na minha vida.... anos atrás.

Ela era determinada, conseguia beber mais pints de Guinness do que eu (como toda boa irlandesa) e acordar ilesa no dia seguinte, inteligente (estava terminando seu doutorado e eu mau começando meu mestrado), engraçada (aquele humor britânico que poucos entendem), dirigia como uma louca consciente pelas freeways da Flórida, independente, sincera, generosa e por mais anos que morasse nos USA nunca perdeu aquele sotaque irlandês, nem aquela pseudo arrogância de alguém nascida numa cidade que já tinha uma universidade quando o Brasil foi descoberto! 

Poucas semanas depois que cheguei na Universidade de Miami nos conhecemos e instantaneamente gostamos uma da outra, sabe aquela coisa de " bater o santo" ?!! Nos tornamos grandes amigas, viajamos juntas no seu Thunderbird vermelho queimando óleo de New Orleans até Key West, bebemos juntas em todos os pubs imundos que encontramos pelo caminho, estudamos juntas na sua qualificação e depois na minha, choramos juntas e demos muitas risadas juntas também... Planejamos libertar a pobre da baleia orca que morava num tanque minúsculo no Miami Seaquarium (que tínhamos acesso irrestrito pois nosso campus era do lado, e afinal de contas éramos respeitadas oceanógrafas pós-graduadas); acho que o nome da orca era Lolita, claro que não deu certo nosso plano de resgate, mas conseguimos soltar um pelicano (que nos seguia pelo campus depois disso e tivemos que adotá-lo temporariamente, até a J. convencer uma amiga dela que estudava biologia marinha a ficar com ele... afinal de contas somos oceanógrafas físicas, a gente só gostava dos bichinhos mas não entendia nada deles)!

Uma noite, depois de alguns pints de Hurricane Reef (é confesso... ela expandiu minha concepção de cerveja) no nosso pub favorito perto do meu apartamento em Coconut Grove, sugeri que ela dormisse em casa como tantas outras vezes. Não dessa vez, não sei quem beijou quem primeiro, inesperado, novo, desconhecido, e nos entregamos a algo que nem sabíamos estar lá dentro, queimando e acordamos abraçadas no chão da minha sala. Enquanto fazia um café e tentava digerir o que aconteceu, seu lado irlandês católico falou mais alto e ela saiu correndo porta a fora como se tivesse cometido um pecado capital! Nenhuma de nós duas nunca tinha tido uma relação com outra mulher, na época nós duas éramos comprometidas (eu já de casório marcado e ela numa relação séria com um inglês), confuso... muito confuso!

Logo depois, ela embarcou a trabalho num cruzeiro oceanográfico para São Diego, três longas semanas; ela prometeu escrever todos os dias, e eu hibernei dentro do meu laboratório escrevendo minha tese. Quando ela voltou, tínhamos 21 cartas, uma tese escrita e um enorme ponto de interrogação. Como simplesmente ignorar o que aconteceu entre nós? Tentamos guardar na gaveta aquela noite e continuar sendo o que sempre fomos, não durou muito... e foi na comemoração do 4th of July (Dia da Independência), churrasco no campus da universidade com Deus e todo mundo de platéia (inclusive nossos orientadores) que (des) engavetamos aquela noite. E inúmeras outras, as tardes ensolaradas no Venetian Pool que ela tanto amava, minha mão segurando a sua enquanto eu fazia minha primeira tatuagem (a primeira de várias, varias outras que ela não esteve presente), a feijoada que ela apreendeu a preparar com esmero, o shepherd's pie que eu nunca apreendi, as noites animadas em Little Havana (ela falava espanhol melhor que eu!), ela dançando num festival céltico maluco que fomos nem lembro onde, o final de semana em Key Largo onde comemos 36 ostras (eca!) e passamos mais tempo no banheiro que na praia, nossa tentativa frustrada de produzir cerveja artesanal na sua garagem (ficou com gosto de xixi de gato, perguntei como ela sabia se era xixi de gato ou de cachorro, e assim mais uma eterna piada entre nós se criou), suas tentativas de me ensinar Gaelic (só apreendi palavrão) e as profundas diferenças culturais entre irlandeses e escoceses (bom, os irlandeses produzem as melhores cervejas e os escoceses os melhores uísques, serve?), as descobertas diárias... e assim os meses foram passando. E chegou o momento de decidir o que fazer, como se as férias de verão tivessem acabado.

Ela me levou até o aeroporto, com lágrimas nos olhos ela pediu que eu ficasse, esperasse ela defender o doutorado e voltarmos juntas para Inglaterra; eu com lágrimas nos olhos disse que precisava ir... e mais uma vez virei as contas, embarquei naquele avião e simplesmente fui embora, destroçada por dentro. Mais uma vez deixei um pedaço meu para trás...

Hoje fico pensando, e se eu tivesse ficado? O quão diferente nossas vidas teriam sido, mas por medo, por egoísmo não fiz essa escolha. Perdemos contato e anos depois, já casada com o P. morando no Hawaii terminando meu doutorado, a encontrei num congresso de oceanografia. Ela viu meu nome na programação dos seminários do congresso; terminei minha palestra e já saindo da sala lá estava ela, na porta, com seu sorriso lindo (mais envelhecido mas lindo), seu cabelo ruivo emaranhado (ela nunca penteou aquele cabelo mesmo), seus olhos escuros como uma noite sem lua, com uma Guinness na mão!!!! Não pude deixar de rir! Não pude deixar de amá-la mais uma vez... Inventei uma desculpa qualquer e sumimos uma semana pela Na Pali coast e suas praias desertas (o que aconteceu nesta semana, faz parte da caixinha das lembranças que não divido com nada nem ninguém pois são apenas nossas... minha e dela).

E desta vez quem a levou ao aeroporto fui eu, com lágrimas nos olhos quem pediu que ela ficasse fui eu, esperasse eu defender meu doutorado e me divorciar do P. e iríamos para onde ela quisesse; ela com lágrimas nos olhos disse que precisava ir... Eu sabia, ela sabia... nosso tempo tinha ficado para trás, nossa chance de ficarmos juntas desperdiçada mas não nossa amizade, nosso respeito mútuo e nosso amor. Nunca mais nos procuramos, mas algo dentro de mim diz que ainda vamos nos encontrar, nesta vida ou em outra!

P.S: leannán: sweetheart, lover in Gaelic.



3 comentários:

  1. Oie...tu já pensou em escrever um roteiro pra um filme?? Tua vida é uma inspiração e tanto...rs...suas postagens passam na minha mente como cenas de um filme...rs..show de bola...hehehe

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    1. Oi mulher... digamos que eu já vivi um pouquinho! Olha, roteirista não tinha pensando, mas nestes tempos de crise, porquê não?!!!! Fico feliz que goste dos posts, sempre tento escreve-los com carinho. Bjs

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  2. Concordo com a Kel! Suas histórias de amor dariam excelentes livros ou filmes! E você escreve muito bem! Eu fico muito tempo sem visitar o blog, mas quando pego pra ler me impressiono com muitos de seus textos... Esse em especial achei extremamente lindo... Mais ainda porque é uma história real, sem um "felizes para sempre" no fim, que nem sempre é possível... Mas nem por isso menos bonito, pelo contrário...

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